quinta-feira, 28 de março de 2013

Será Sócrates o "coveiro" da dívida?

Após um regresso já amplamente falado e esmiuçado nos meios de comunicação social (com críticas e elogios pelo meio), o raciocínio que pretendo realizar de seguida, não se trata de discutir a pessoa, mas sim abordar factos concretos da sua governação, respondendo à questão que todos os portugueses se questionam: Terá sido Sócrates o "coveiro" da dívida? Bem sei que muitos dizem sim (uns por conveniência, outros não sabem bem porquê. Ouvem uns tipos a falar na televisão, e mediante o que dizem, pensam que o que estes exprimem são verdades inquestionáveis). O objectivo deste blog é (e sempre foi) dotar os seus leitores do máximo de informação verídica possível para que estes possam ter um ponto de vista próprio (sem contudo, deixar de dar a minha opinião).

Comecemos então este desafio...

Para respondermos claramente a esta questão central, deveremos analisar a evolução da nossa dívida por períodos (ou seja, distinguir a sua evolução pré e pós-crise 2008).

Vejamos de 2005 a 2008...









A dívida parecia estar estabilizada...

Para nos ajudar a responder a isto, devemos referir do que depende a variação da dívida:






  • Depende do valor do saldo primário num ano, que corresponde ao diferencial entre receitas e despesas, não contabilizando os juros pagos;
  • Da diferença entre os juros pagos e a taxa de crescimento nominal do PIB. A taxa de crescimento nominal do PIB corresponde ao valor do aumento real da produção ( ou seja, por exemplo, um dado país produzia 100 máquinas e passa a produzir 102, ou seja um aumento real de 2%) adicionado da evolução dos preços. Vamos supor que cada máquina custava 100 euros e no ano a seguir 102, o que corresponde a uma inflação de 2%. Assim, o produto nominal aumentará cerca de 4% (aumento real+ aumento preços =2%+2%)

Em 2007 e 2008, observa-se um défice primário, ou seja, sem despesas com juros praticamente nulo. E por exemplo, para o caso de 2007 com um crescimento económico real de 2,4% e com uma inflação de 2,4%, com uma taxa de juro sobre a dívida em média de 4%, tal faz com que o valor da dívida estivesse estabilizada, com uma trajectória a manter-se este ritmo, inclusivamente descendente, uma vez que a taxa de juro paga foi inferior à taxa de crescimento do PIB nominal. Quanto ao ano de 2008 a partir do 2º semestre começaram-se a sentir claras perturbações económicas, decorrentes do rebentar da crise do subprime.

De 2008 a 2010...

Assistimos a um crescimento da dívida pública de 71,7% para 93,5% do PIB, o que se deve claramente à adopção de políticas orçamentais expansionistas. Tal deveu-se a uma conjuntura económica bastante negativa que levou ao afundamento de grande parte das economias europeias e mundiais.

A política europeia centrou-se numa acumulação de dívida...

A ilustração acima demonstra que os aumentos de dívida foram generalizados, embora o aumento em Portugal tenha sido algo acima da média da zona euro, o que parece demonstrar que apesar de tudo a política orçamental poderia ter sido mais comedida, apesar de reconhecer alguns sucessos no combate à crise, já que a recessão foi, sem dúvida menos profunda em Portugal, que na média da Zona Euro. Ainda assim, critico o excesso de expansionismo e sem dúvida que não seria necessário ir tão longe, até porque a economia portuguesa vinha num processo de recuperação.

Seria o nosso endividamento dramático em 2010?













Como se vê, o nosso endividamento no final de 2010 encontrava-se acima da média da zona euro, sem contudo ser muito superior. Ainda assim, vem reforçar a ideia de que houve algum exagero. Por exemplo, tirando o caso de total descontrolo da Grécia, os países que tinham aumentado mais o  seu nível de endividamento durante a crise, além de Portugal (Espanha e Reino Unido) apresentam níveis de endividamento inferiores. Contudo, não se pode dizer que estávamos muito mais endividados que os outros, havendo até indicadores (como se viu em 2007) podermos reduzir o nosso nível de endividamento (havendo crescimento económico).

Então o que provocou a viragem dos mercados?

Como se vê até 2010 as taxas de juro pagas pela dívida eram baixas (bastante próximas, inclusivamente, dos níveis alemães)

















Como se vê há uma clara indiferenciação dos mercados, algo que sofre uma ligeira alteração em 2008, mas nada de relevante. O momento claramente de viragem é o início da crise grega, que como se vê é a primeira a descolar, seguindo-se só depois Portugal e Irlanda. Claramente, o anunciar da derrapagem grega provoca o pânico nos mercados, e uma fuga clara de dívida pública de países periféricos, para uma entrada de capitais na Alemanha ( ver linha da Alemanha - menor taxa de juro).

A História mostra-nos a existência de crises de financiamento com base no pânico e não só em indicadores económicos...

Paul Krugman nos seus trabalhos de economia internacional enfatiza a existência de diversos tipos de crises. Estas podem ser provocadas em pânico financeiro. O caso que aconteceu em Portugal, parece-me ser aquilo que Krugman chama de crises de 3ª geração e que consiste no seguinte:

  • Portugal apresentava algumas debilidades, contudo em nada se poderiam comparar a caso grego (ver dados anteriores);
  • Ainda assim, os investidores viram que havia um perigo real de incumprimento, o que é aumentado ainda mais pelo caso de manipulação de contas gregas, o que cria o medo de haver surpresas desagradáveis noutros países, em especial os periféricos;
  • Assim, desinvestem em dívidas públicas destes países, o que faz com que a taxa de juro exigida aumente;
  • O facto de aumentar a taxa de juro, cria mais dúvidas sobre a possibilidade dos países pagarem, o que gera ainda mais aumentos de taxa de juro (círculo vicioso).
Conclusão

Acusar Sócrates e o seu Governo de ter tido uma política demasiado expansionista em 2009 e 2010 é uma crítica perfeitamente aceitável e de qual também partilho. Contudo, responsabilizá-lo de ser o "coveiro" da dívida não é justo e é intelectualmente desonesto. O caso grego foi sem dúvida o rastilho da crise, e pode em grande parte comparar-se ao que deu origem à crise bancária. O sistema bancário funciona com base na confiança, ou seja, só colocamos dinheiro no banco se achamos que a instituição é segura. A partir do momento que vemos que um banco vai à falência, algo que não seria expectável já que as contas foram maquilhadas, rapidamente isso origina um panico  podendo haver possíveis consequências para outros bancos, mesmo estando saudáveis (falta de confiança nos dados publicados). Com os países passou-se mais ou menos a mesma coisa, ou seja, um país estava em grave dificuldades, o que foi descoberto na totalidade, após se saber que houve manipulação de contas. A partir desse momento, surgem dúvida sobre a posição de outros países, sendo o alvo países estruturalmente parecidos. Portugal foi assim vítima do pânico financeiro, e esse sim foi o principal motivo de termos chamado ajuda externa. Isto também me leva a criticar a defesa afincada de José Sócrates relativamente ao PEC IV. O PEC IV não iria salvar coisíssima nenhuma, nem nos livrar da ajuda externa. O único elemento que nos poderia salvar seria o PEC IV, em conjunto com uma intervenção pronta do BCE em mercado secundário, como o que acontece agora.

domingo, 24 de março de 2013

Uma proposta para as Eurobonds

No post anterior sublinhou-se a importância da adopção de eurobonds no quadro do funcionamento da área do euro. O exercício que se faz de seguida consiste em elaborar um enquadramento funcional que indique a forna como o sistema de eurobonds irá funcionar.

Propondo um sistema...














O sistema acima descrito é aquele que me parece mais adequado para a área do euro.

Como funciona?

Basicamente, o sistema acima representado consiste no seguinte: os países individualmente deixam de ir directamente aos mercados. O agente que lida directamente com os mercados é o EMU Fund, ou seja, um fundo da área do euro, que irá ao mercado buscar todo o financiamento necessário para todos os Estados, ou seja, este gere toda a dívida da área do Euro. Os Estados-Membros, agentes que necessitam constantemente de liquidez irão buscá-lo ao EMU Fund.

A pergunta que se deve fazer de seguida é: todos os países pagarão a mesma taxa de juro?

Sendo o EMU Fund, o único agente da área do euro que vai buscar financiamento ao mercado para todos os estados-membros, teoricamente o custo desses empréstimos deverá ser sempre o mesmo independentemente dos Estados (pois, só existirá taxas de juro de mercado para esse fundo, os países individualmente deixam de ir aos mercados). Contudo, os Estados Membros deverão financiar-se junto do EMU Fund e pagar-lhe taxas de juro diferentes em função de diversos critérios, que veremos quais poderão ser.

Porque deverão pagar ao EMU Fund taxas de juro diferentes?

Haver um mecanismo comum de mutualização da dívida ( ou seja, de partilha total da dívida da área do euro, bem como o financiamento à mesma taxa) implica que alguns países tenham incentivos negativos para aumentar fortemente o seu endividamento para níveis perigosos, o que pode impossibilitar aos seus pagamentos ao EMU Fund e criar um problema neste mecanismo. Assim, deve haver uma diferenciação entre países.

Que indicadores devem ser responsáveis por essa diferenciação?

A regra a seguir deverá ser a seguinte:




A regra acima indicado diz-nos que um determinado Estado-Membro deve pagar uma margem acima (ou abaixo) da que o EMU Fund se financia no mercado, em função do diferencial do seu défice face ao da média da Zona Euro (ou seja O(i)-O(m)), bem como da sua dívida face à da média da Zona Euro (S(i)-S(m)). Assim, por exemplo se a média do défice da Zona Euro for 3% e da dívida 60%, um país com um défice de 4% e dívida de 100% deve pagar uma taxa superior à que o fundo se financia no mercado. Essa taxa deve ser calculado em função de parâmetros definidos para o peso da dívida e do défice nesse cálculo.

De notar que...

Deve-se ter o máximo de cuidado em evitar diferenças excessivas entre a taxa de financiamento do EMU Fund e dos países-membros, sob pena de colocar em causa a sustentabilidade deste mecanismo. Provavelmente, a adopção de limites máximos a isso, deve ser uma preocupação.

Contudo, esta proposta tem um problema...

Por uma questão de sustentabilidade do Fundo, os valores do serviço de dívida(ou seja, dos juros que paga ao mercado) devem ser iguais aos valores dos juros que os Estados Membros pagam ao EMU Fund. A proposta que apresentei não garante de todo isso. Vamos supor que a Alemanha, paga uma taxa inferior à que o fundo vai ao mercado. Tal é desde logo um problema, já que sendo um país de grande dimensão faz com que seja dificil contrabalançar esse peso. 

Soluções para este problema...

Calcular os diferenciais de taxa de juro, partindo do pressuposta de que os valores dos juros que o Fundo paga ao mercado são sensivelmente iguais aos que os Estados Membros pagam ao Fundo. Contudo, tal teria o problema de se estarem a ajustar permanentemente os parâmetros de cálculo da taxa de juro, o que criaria instabilidade no serviço de dívida que não advinha directamente do desempenho dos Membros da área euro, ou seja, do comportamento do défice e da dívida.

Então, que solução deve ser adoptada?

Dada a dimensão de França e Alemanha, estes dois países serão os países referência no cálculo da taxa de juro de mercado do EMU Fund. Assim, a minha proposta consiste em:
  • A Alemanha, França pagam a taxa de juro a que o Fundo vai ao mercado;
  • Todos os países com dívida e défices inferiores aos dois países também pagam a taxa de juro a que o fundo vai ao mercado;
  • Os restantes deverão pagar uma taxa acrescida em função do diferencial dos valores do seu défice e de dívida.
Como se vê, o EMU Fund nestas circunstâncias dará sempre lucro, o que poderá ser utilizado para a promoção de políticas de investimento europeias, que visem a resolução de desequilíbrios estruturais das economias.

Mas será possível haver consenso político?

Relativamente aos países mais frágeis não há dúvida que a sua receptividade a uma medida desta natureza é alta, contudo para outros países já não é bem assim, nomeadamente para a Alemanha.

Contudo, penso que mesmo a Alemanha pode ganhar com isto...
  • Permite uma continuidade reforçada da Área do Euro, fundamental para a competitividade custo da Alemanha (se estivesse com moeda própria, certamente que a sua taxa de câmbio seria bem mais desfavorável);
  • A existência de diferenciais de taxa de juro permite disciplinar de certa forma o comportamento dos países, criando um incentivo para eventuais consolidações orçamentais;
  • O Fundo terá taxas de juro muito atrativas. Dada a dimensão que o mesmo terá, irá competir com a dívida pública americana que goza de taxas de juro enormemente baixas. De facto, os poupadores líquidos mundiais irão olhar com enorme interesse para um Fundo desta dimensão, e irão aplicar parte das suas poupanças no mesmo, o que fará diminuir a sua taxa de juro;
  • Uma vez que os países recorrem ao financiamento através do Fundo, fará com que o poder do mesmo para impôr reformas no interior do países desequilibrados será maior.

terça-feira, 19 de março de 2013

Eurobonds: a solução europeia

Antes de entrarmos em qualquer pormenor no que diz respeito ao enquadramento institucional dos Eurobonds, é fundamental enquadrar o porquê destes terem sido identificados como uma solução para a crise de financiamento dos países periféricos.

As origens da crise de financiamento...

No início de 2010, após o Governo Grego ter declarado o estado calamitoso das contas nacionais, que foi escondido durante anos, os mercados financeiros identificaram uma nova potencial ameaça (o risco de dívida soberana, ou seja, da dívida dos estados), tendo surgido pressões sobre outros países da periferia, como por exemplo, Portugal.
















Vemos que a partir de 2010, há uma crescente diferenciação das taxas de juro dos países, o que tem sérias implicações.

Os aumentos de taxa de juro são catastróficas para a economia...
  • Provocam um acréscimo dos custos de financiamento do Estado, aumentos esses que são auto-sustentados, ou seja, à medida que aumentam as taxas de juro, há maior probabilidade de incumprimento, o que gera que ainda mais aumentos da mesma. Ou seja, é um processo explosivo, que pode acabar num incumprimento;
  • Os agentes económicos têm cada vez maior dificuldade de financiamento, o que induz fortes quebras no investimento.
O enquadramento institucional da Zona Euro expõe os países a possíveis ataques especulativos

  • Claúsula de no-bailout: ou seja, em nenhum caso, o BCE poderá intervir no sentido de financiar os Estados-Membros do Euro, ou seja, não deverá ceder-lhes liquidez directamente.
  • O facto de ser uma zona monetária com mobilidade de capital: estando na área do euro, esta moeda permite que se façam diversos investimentos em vários dívidas públicas (por exemplo), sem que se necessite de trocar moeda no mercado cambial. Por exemplo, considerando o caso do Reino Unido, que tem moeda própria ( a libra) e que se financia na sua própria moeda, caso queira vender dívida pública do seu país, fica com libras, que depois poderá aplicar noutras dívidas públicas (por exemplo, por exemplo da zona euro ou dos EUA), mas para isso necessita de trocar as libras no mercado cambial. Tal movimento efectuado por um número significativo de agentes leva a quebra da libra (ou seja, torna-se mais barata), o que desde logo leva a uma perda por parte destes detentores de libras.
Observando a figura anterior, vemos que as taxas de juro sobre as obrigações alemãs têm descido, o que indica uma maior procura das mesmas, que resulta de uma fuga dos investidores de dívidas públicas de países periféricos para dívida alemã. 

Para perceber as consequências do enquadramento institucional, comparemos a evolução das taxas de juro espanholas e britânicas...













Poderemos dizer que estas diferenças se devem a questões como a dívida pública e o défice. Será verdade?














Vemos que, relativamente à dívida pública, as diferenças não são significativas. No que diz respeito ao défice público, o do Reino Unido é de 7,8% e o da Espanha 9,2%, ou seja, também diferenças pouco significativas. Tal demonstra que os riscos de uma zona monetária já enunciados atrás, ou seja, fácil fuga de dinheiro para outras dívidas e um banco central mais disponível para intervir justificam as diferenças. Aliás, viu-se que quando o BCE interviu no mercado de dívida, as taxas de juro baixaram logo significativamente, o que vem dar razão a esta argumentação.

Conclusão

Os eurobonds são uma forma de evitar que hajas fugas de liquidez dos países do sul, no que diz respeito à sua dívida pública, já que fazem com que o financiamento dos países provenha do mesmo mecanismo ( das Eurobonds). Assim, usando euros não será possível desinvestir em dívida pública portuguesa, por contrapartida de investimento em dívida alemã. Estas diferenciações deixarão de existir no mercado, e o risco será observado como sendo da zona euro como um todo. Esta aproximar-se-á do tipo de financiamento dos EUA, que têm diversos Estados, mas uma só via de financiamento, e uma instituição de suporte (a Reserva Federal), que no caso europeu será o BCE. 

PS: vai estando atento, em breve apresentarei uma proposta específica para os Eurobonds, que possa vir a ser seguido pelas autoridades europeias.

domingo, 10 de março de 2013

O falhanço das políticas de combate ao desemprego

O desemprego é um dos maiores flagelos que, neste momento, afectam o nosso país. Este é sucessivamente associado (e bem!) às políticas de austeridade que têm vindo a ser adoptadas. Contudo, embora a evolução negativa esteja fortemente correlacionada com estas medidas, a existência de desemprego numa sociedade pode ser explicada por diversos motivos que não apenas a situação conjuntural da economia, a saber:


    • Condições estruturais da economia, ou seja, questões como a natural existência de subsídio de desemprego e de limitações no potencial de produção das economias, bem como questões de ordem de lei laboral, como por exemplo, fortes restrições laborais fazem dos empregadores mais avessos à contratação de novo pessoal
    • Condições conjunturais, como a existência de recessões económicas como a actual.
    • A rotatividade no mercado de trabalho, ou seja, caso de pessoas que saiam de um emprego e que, por exemplo, passado algum tempo arranjem um novo local de trabalho, mas que provisoriamente estão desempregadas e à procura de novo emprego. Outro exemplo possível, é o caso de uma empresa cujo trabalhador se reforma, e se encontra à procura de novo colaborador, que terá obviamente de colocar um anúncio, levar a cabo um processo de selecção, e depois escolher (ou não!) o mais indicado para desempenhar a função.
Sobre que componentes do desemprego se versam as medidas da Troika e do Governo?

Para responder a essa questão, nada melhor do que ver o que nos diz o memorando de entendimento na parte do mercado de trabalho. Desde já, a hipótese de combate a condições conjunturais pode-se afastar, devido ao clima recessivo criado pelas medidas do acordo. Sobram as outras duas componentes. Quanto à estrutural refira-se que algumas das medidas previstas neste sentido são:

  • Redução das indemnizações por despedimento;
  • Redução da generosidade dos subsídios de desemprego e da sua duração, para potenciar o incentivo à procura de emprego, o que também poderíamos incluir num tipo de medida para contornar os efeitos de rotatividade.
No que diz respeito à questão da rotatividade as políticas de emprego usadas e previstas no memorando tentam por um lado, aumentar o incentivo à procura de emprego (como já referenciado), aposta na formação profissional para ir ao encontro das necessidades dos empregadores (para potenciar o encontro das necessidades de trabalhadores e empregadores), tentar estreitar as relações entre centros de emprego e empregadores (para conhecer melhor as necessidades do mercado, e responder-lhes atempadamente).

Porque serão os efeitos das medidas meramente residuais como indicam os números do desemprego?

Antes de responder, profundamente, importa esclarecer que relativamente às medidas estruturais, que visam tornar a legislação laboral flexível, os seus efeitos só terão, eventualmente, visibilidade a médio prazo, enquanto que no curto prazo podem ter efeitos negativos. Veja-se, por exemplo, o caso das reduções por despedimento, que podem ser vistos como um facilitar dos despedimentos, e aproveitados desde logo, pelas empresas para despedir. Este efeito é mais visível, numa situação de recessão como a que nos encontramos.

Sobra-nos a questão de aumentar a eficiência do mercado de trabalho a curto prazo...

Ou seja, a alternativa é as medidas de aproximação entre trabalhadores e empregadores, dotar os trabalhadores de formação adequada ao mercado, e criar-lhes incentivos a procurarem mais depressa emprego (generosidade dos subsídios diminuida). Mas, não se vêem efeitos, porquê?

A resposta está na taxa de vagas existentes na economia...

A taxa de vagas da economia é a percentagem de postos de trabalho existentes na economia para os quais ninguém está a ocupá-las (ou seja, ofertas de emprego), em relação ao total de postos de trabalho.















Como as vagas existentes são muito poucas, mesmo aumentando a eficiência do mercado no curto prazo, terá efeitos práticos baixos no desemprego, já que existe pouca disponibilidade para contratar, o que se deve em grande parte à cojuntura. Aliás, Portugal consegue ser o país com menor taxa de vagas, ou seja, onde estas medidas terão menor efeito. Por exemplo, Espanha e Irlanda já tem maiores percentagens (embora também não muitos significativas). Os países do Norte da Europa são os que têm maior taxa de vagas, o que pode ser explicado pela não tão frágil situação. 

Esta situação nacional já vem desde 2008...

Pegando no conceito da Curva de Beveridge, que relaciona o desemprego, que no diagrama abaixo está representado por UR e a taxa de vagas, que é em baixo aproximada por LSI, vemos que o aumento explosivo do desemprego teve efeitos catastróficos no número de vagas.












Já na União Europeia, considerada como um todo, observando a mesma curva verifica-se alguma diferença...













Tal como em Portugal, até 2010 verificou-se uma diminuição da taxa de vagas e aumento do desemprego. Contudo, a partir daí verificou-se uma situação de aumento da taxa de vagas e ao mesmo tempo aumento do desemprego, o que indica algum aumento de ineficiência no mercado de trabalho no curto prazo, e sob este contexto as medidas aplicadas em Portugal poderiam ter um efeito mais visível.

segunda-feira, 4 de março de 2013

O que está a prejudicar a execução do programa de ajustamento?

Para percebermos o porquê da falha do programa de ajustamento da Troika, devemos focar-nos nos objectivos que este preconizava aquando da entrada em vigor.

Quais as principais metas?

  • Reequilíbrio das contas públicas;
  • Reequilíbrio das contas externas.
Ao nível de ambas as contas o nosso país apresentava graves desequilíbrios cuja resolução se revelava absolutamente vital.


Como se vê pela figura anterior, onde se apresenta a evolução do saldo da nossa Balança Corrente, ou seja,  os saldos de algumas das principais operações com o exterior (nomeadamente em termos comerciais), observa-se a existência da acumulação de elevados défices, que fizeram explodir a nossa dívida privada.

Qual a real gravidade destes défices?

Antes do emergir da crise, diversos economistas desvalorizaram repetidamente estes desequilíbrios, considerando que a necessidade de reequilíbrio da balança corrente, era mais premente no curto prazo, em países com câmbios fixos, sem moeda única. Consideravam, também, que era uma das consequências do processo de convergência entre economias da área do euro. Ou seja, de certo modo, estes desequilíbrios poderiam ser resultado da importação de capital, que seria importante para aumentar a produtividade da nossa economia. Contudo, passados mais de 15 anos desde o início desses desequilíbrios não se assistiu a nenhum processo de convergência da nossa economia.

A crise de financiamento junto a estes desequilíbrios proporcionou a quebra da nossa economia...

Com uma economia tão endividada como a nossa, e num cenário de grande estabilidade financeira na Europa e no Mundo as nossas dificuldades de financiamento foram-se agravando, o que precipitaram a intervenção da troika.

Assim, a Troika tinha como uma meta fundamental reequilibrar esta Balança Corrente...

Para isso, a política de austeridade seria a principal arma, já que deprimindo o mercado interno, conseguiria:

  •  Reduzir as importações;
  •  Diminuir os custos unitários de trabalho, devido à maior incidência do desemprego, o que diminuiria as reclamações salariais.

Variação dos custos salariais (no privado) em %












Observa-se assim que tem havido uma crescente moderação salarial, que terá sido bem mais acentuado em 2012, e que demonstra claramente os intentos do programa. Esta evolução salarial permitiu a diminuição de poder aquisitivo ( salário real) e assim restringir a capacidade importadora da nossa economia, e supostamente dar-nos maior competitividade custo.

A austeridade preconizava o rebalanceamento entre sector transacionável (exportador) e não transacionável (ou seja, não exportador)

Entendia-se que parte dos nossos desequilíbrios se deviam a um forte excesso do sector não transacionável (comumente, designado por serviços),cujo mercado alvo era fundamentalmente o interno. A evidência suporta a hipótese de que quanto maior a força do sector não transacionável maiores os desequilíbrios externos.

















O gráfico anterior mostra que, observando o caso dos países da zona euro, quanto maior o crescimento do sector dos serviços (representado no eixo dos y), pior a evolução da Balança Corrente. Para o caso português, a evolução nem foi muito negativa, mas tal deveu-se ao facto de o boom do sector não transacionável se ter dado nos anos 90, sendo que em 1999 já se observavam graves desequilíbrios da Balança Corrente (ver figura inicial).

A solução passava pela viragem para o sector transacionável e mercados externos

Há fortes indícios de que as recessões internas, potenciam o desenvolvimento do sector exportador, já que as empresas vendo o mercado interno em recessão, vêem os mercados externos como solução para os seus problemas, e apresentam maior propensão a investir nestes, apesar da sua menor experiência nos mesmos, face ao mercado nacional. Inicialmente regista-se no campo exportador um certo sucesso do programa.

Como se verifica pela análise da figura anterior, houve uma aceleração da nossa quota de mercado desde 2011 até ao início de 2012, o que demonstra que a recessão permitiu o acentuar da nossa capacidade exportadora.

Contudo, o recente andamento da economia da Zona Euro prejudicou a evolução das nossas exportações...

O arrefecimento da economia europeia foi responsável pelo menor crescimento das nossas exportações, algo que por exemplo levou a uma recessão ligeiramente maior que o esperado, e a uma forte revisão em baixa das previsões económicas para 2013.Tal prejudica fortemente o nosso processo de ajustamento, já que:

  • Não permite a existência de variáveis, fortes o suficiente, que contrabalancem a quebra do mercado interno;
  • Prejudicam o andamento das contas públicas, já que levam a um abrandamento da lucratividade das empresas exportadoras, e abrandar a contratação de pessoal pelas mesmas.
Assim, resulta...

Além dos falados planos de reajustamento financeiro, que prevêem a renegociação de prazos de reembolso, seria necessário coordenar políticas orçamentais que possam contrabalançar os efeitos da recessão. Defendo que a lógica inicial do ajustamento está correcto, apesar da velocidade de ajustamento ter de ser necessariamente discutida. Contudo, penso que este plano, tal como demonstrei, só terá sucesso num cenário de políticas orçamentais expansionistas da parte de países com situação excedentária (ou seja, países nórdicos e Alemanha), por contraposição a políticas de austeridade no Sul da Europa.