São cada vez mais numerosas as vozes que reclamam uma intervenção forte do BCE na crise actual. A mim parece-me que essa é uma solução credível e absolutamente necessária para ultrapassar os actuais constrangimentos que ultrapassa a Zona Euro. Para justificar este ponto de vista, será decisivo, em primeiro lugar, tentar perceber os motivos que têm levado as autoridades europeias a rejeitarem ( pelo menos, até agora, embora se esperem algumas novidades já na próxima quinta-feira) esta intervenção do BCE.
Principal constrangimento à intervenção do BCE: o objectivo taxa de inflação
Nos estatutos do BCE consta como principal objectivo a manutenção da estabilidade de preços, com um valor de referência para a taxa de inflação de cerca de 2%. Não vale a pena entrarmos aqui em considerações sobre a plausibilidade ou não deste valor, mas num ponto a classe económica está de acordo, uma taxa de inflação baixa é fundamental para fomentar o crescimento e a competitividade. Assim, de que modo este objectivo pode ser um constrangimento à intervenção do BCE?
Para respondermos a esta questão, deveremos usar uma equação fundamental em economia, que nos indica que a inflação surge em resultado de um excesso de crescimento do stock de moeda face ao PIB potencial. Assim, este facto deverá ser um travão a uma intervenção fortemente expansionista do BCE.
Mas será que, embora comprovada empiricamente, esta relação apresentada pela equação seja assim tão linear?
Não o é, de todo. Antes de tudo, importa frisar que o M apresentado na equação diz respeito à massa monetária e não à base monetária (variável esta que corresponde à emissão de moeda por parte do BCE). Relativamente à massa monetária, esta resulta da acção dos multiplicadores monetários, nomeadamente, o crédito. Assim, é perfeitamente possível verificarmos uma desconexão entre base e massa monetária.
A partir das figuras nota-se que essa interligação não é directa, uma vez que mesmo a base monetária aumentando, tal não teve reflexos na massa monetária, muito por culpa da quebra profunda do crédito, em especial às famílias, mas também às empresas. Isto revela o carácter de combate à falta de liquidez da intervenção do BCE durante a crise de 2008. Esta mesma intervenção não está a ter reflexos inflacionários até agora.
Como se desencadeia o processo inflacionário numa economia via política monetária?
A equação anterior fazia crer que o Banco Central ao emitir mais moeda, estaria imediatamente a fazer com que a prazo se desencadeasse uim processo inflacionário. No entanto, tal não corresponde de todo à verdade, uma vez que para que tal aconteça é necessário que se desencadeiem um conjunto de processos de transmissão da política monetária, nomeadamente, e por exemplo, o canal do crédito. A inflação é um processo que resulta de um aumento da pressão da procura agregada face à oferta agregada. Assim, a evidência para a crise de 2008 parece indicar que na presença de uma crise de liquidez, o aumento da base monetária não tem efeitos sobre a procura agregada, o que não induz pressões inflacionistas.
Replicando esta evidência para a crise das dívidas soberanas...
Parece após o exposto que as autoridades europeias não devem ter preocupações com a inflação. Assim, para justificar tal facto faço a seguinte questão:
De que resultam as dívidas acumuladas?
São resultado de um conjunto de pressões do lado da procura, que incentivaram grandemente o consumo e o investimento. Assim, estas pressões tiveram os seus efeitos no passado, que não serão replicados no futuro. Vejo o dinheiro deste endividamento como algo que deveria existir e não existe, pelo que me parece que o BCE pode ter um papel fundamental, devendo garantir aos mercados que está totalmente disposto a assumir as dívidas dos países em dificuldade (caso seja necessário) e a garantir o cumprimento do serviço da dívida. Tudo isto é compatível com o objectivo inflação, pois este dinheiro deveria existir e já teve efeitos sobre a procura agregada no passado, e consequentemente sobre a inflação.
Mas os mais cépticos deixarão logo uma questão no ar... Isto poderá no futuro ter efeitos sobre a inflação, já que os países terão uma sensação de facilitismo..
Relativamente a esta questão, concordo na totalidade com o argumento expresso, e para isso defendo que esta mudança de papel por parte do BCE ( funcionando a partir daqui, como um credor de último recurso) seja, igualmente, acompanhado por um conjunto de crítérios apertados, que tenham como objectivo fazer com que os países tenham constantemente necessidade de tomar medidas que não sobreaqueçam a economia e não a desequilibrem, voltando a termos uma rota de endividamento insustentável. Assim, questões como o controlo das contas públicas, bem como o equilibrio da Balança Corrente dos países, devem estar na agenda das autoridades. Assim, percepciono uma união com novos mecanismos, mas esses devem surgir com contrapartidas que garantam o sucesso destes. A intervenção do BCE não deve ser vista como um brinde, mas como um ponto de partida para mais rigor dos países. As sanções para quem não cumpra estas regras, deverão ser fortes, sendo em casos extremos a própria expulsão dos países permanentemente incumpridores.
Conclusão
Esta nova conjectura que apresentei, revela um ponto de vista que defende uma união cada vez mais independente dos mercados financeiros, sendo que as pressões para o cumprimento das regras deverão partir da própria união e não dos mercados. Assim, isto evita que a UEM ande a "reboque" dos mercados, tendo estratégias de equilibrio próprias.