Antes de mais, não vale a pena estar aqui com grandes considerações acerca de todo o percurso da crise do euro. Este já é sobejamente conhecido. Assim, neste artigo preocupo-me, fundamentalmente, em reflectir sobre que caminhos deve seguir a UEM. Várias propostas já foram analisadas, nomeadamente: o haircut das dívidas, os eurobonds e ainda a existência de um novo papel para o BCE. Analisemos então cada uma destas propostas:
1 – Haircut das dívidas
Esta tem sido uma das medidas defendidas, principalmente por alguns partidos mais à esquerda. Será esta solução possível, e sendo assim quais serão as suas consequências? Primeiramente, esta é possível, contudo parece-me que é algo que pode ser muito negativo, na medida em que pode afastar estes países por vários anos dos mercados financeiros, bem como aumentar, significativamente, os custos de financiamento do Estado e dos privados, o que tem efeitos negativos no investimento e no crescimento. Para demonstrar isto, pego num caso que remonta ao início do século XXI ( a crise argentina), que sofreu os efeitos de uma bancarrota
Taxa de crescimento do PIB real argentino
1999
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-3%
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2000
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0,8%
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2002
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-14,7%
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Fonte: IndexMundi
Como vemos pelo gráfico, a economia argentina sofreu imenso com o incumprimento de dívida. É verdade que, posteriormente a economia argentina recuperou, mas nestes anos sofreu uma quebra do PIB de cerca de 20%. No caso da Argentina, este incumprimento era inevitável, contudo no caso da UE parece-me que as circunstâncias são diferentes, principalmente pelo facto de o Euro ser internacionalmente uma moeda de referência, ao contrário do peso argentino, o que implica que os países do euro se possam financiar internacionalmente na sua própria moeda. Assim, como mostrarei à frente, este é um facto importante para delinear outro tipo de soluções.
2 – Eurobonds
Este tipo de obrigações tem sido apontada como outras das soluções para resolver a crise europeia. No entanto, tal solução parece-me que dificilmente será exequível, na medida em que países como a Alemanha, não aceitarão que os seus custos de financiamento aumentem consideravelmente, na medida em que nestas será incorporado o risco dos países do sul da Europa. Para além disso, este mecanismo não afasta um risco sempre presente que é o de incumprimento dos países. Finalmente, parece-me que caso a zona euro resolva os seus desequilíbrios não são necessários os eurobonds para os custos de financiamento dos países aproximarem-se ( ver figura seguinte).
Como se vê, antes do início desta crise financeira, as taxas de juro dos países da UEM eram relativamente similares. Assim, parece-me o que deve fazer, na minha opinião, é criar as condições para que isto volte a acontecer e não forçar, através da criação dos eurobonds, que cheguemos a esta situação. Assim, com os eurobonds penso que a qualquer altura, pode acontecer que haja um ataque especulativo a estes, aumentando seriamente as taxas de juro, fazendo com que países como a Alemanha tenham tendência a sair deste mecanismo. Parece-me então que é necessário uma solução mais forte, e que traga mais vantagens para os países. Que solução é essa?
Intervenção do BCE
A chave para a solução da crise parece-me a intervenção do BCE. Assim, o BCE deve funcionar como um credor de último recurso, garantindo o pagamento das dívidas dos países, bem como o seu serviço de dívida. Parece-me que esta solução face ao eurobonds, tem a vantagem de ser mais credível, em caso de aplicação, bem como de afastar quase por completo, o risco de incumprimento, o que faz com que as taxas de financiamento sejam ainda mais baixas.
Quais as reservas da Alemanha?
Contudo (como se viu nesta semana anterior), a Alemanha tem muitas reservas em relação a uma forte intervenção do BCE. Porquê? Tal deve-se ao profundo medo que a Alemanha tem da inflação (aliás se forem ao site do BCE, este apresenta-nos a inflação como um monstro). Contudo, isto poderá ser ultrapassado. Como? Primeiro há que frisar, como já demonstrei num post, a garantia sobre dívidas passadas não cria inflação. Esta resulta de pressões sobre a procura agregada, e esta acumulação de dívida já criou estas pressões no passado. No entanto, a Alemanha tem medo que no futuro, isto seja uma almofada para estes países incumpridores que a verão como um incentivo a mais endividamento.
Assim, o que deve ser feito?
Devem ser criados um conjunto de critérios, nomeadamente alguns já bem conhecidos, tais como os orçamentais. No entanto, deve ser acrescentado outro igualmente importante que diz respeito ao equilíbrio da Balança Corrente. Se analisarmos os países resgatados vemos que estes apresentam um ponto em comum (que é o desequilíbrio desta Balança). Se analisarmos o caso argentino (país que tem registado uma apreciável recuperação económica), vemos que antes do rebentar da crise, esta economia acumulou sucessivamente desequilíbrios da Balança Corrente, que foram resolvidos no pós-crise, registando-se actualmente um equilíbrio dessa mesma Balança
Como se comprova, os sucessivos desequilíbrios externos, resultaram numa bancarrota. Contudo, após isso, esse rumo inverteu-se. No entanto, como sabemos a Argentina não está agrupada numa área monetária, o que faz com que tenha ao seu dispor a política cambial (aliás, por detrás deste incumprimento, esteve a adopção de um regime de câmbios fixos face ao dólar, o que criou graves desequilíbrios). Assim, para o caso dos países do sul estes equilíbrios são possíveis? Para responder a esta questão, analisemos a evolução desta Balança, após as medidas de austeridade. Para o caso português em 2013 atingiremos já o equilíbrio desta Balança Corrente. Para o caso irlandês esse equilíbrio já foi atingido. Assim, isto só mostra que estes desequilíbrios foram frutos de pressões excessivas do lado da procura, que podem perfeitamente ser resolvidas no interior de uma área monetária.
Assim, também deve ser uma prioridade dos países este equilíbrio, e deve ser um dos critérios para uma nova zona euro.
Conclusão
Assim, parece-me que a melhor solução é a intervenção do BCE, já que só esta fará com que haja uma aproximação não artificial dos custos de endividamento, e nivelando os mesmos por baixo, já que praticamente aniquilam os riscos de incumprimento. Assim, é uma melhor solução que os eurobonds. No entanto, como se demonstrou para o caso argentino, deve-se promover os equilíbrios macroeconómicos, nomeadamente o da Balança Corrente, que como se demonstra para o caso argentino, contribuiu para o recomeçar de um período de crescimento. Relativamente ao haircut, não me parece uma boa solução, pois estando numa área em que os países se endividam na sua própria moeda, não há o risco de haver pressões especulativas, no sentido da desvalorização da moeda, já que as expectativas no caso europeu desempenham um papel fundamental. Assim, há espaço para o BCE garantir as dívidas, em contrapartida de critérios exigentes e que devem ser para cumprir.
Ricardo, vamos analisar o assunto por partes senão todo o debate se torna confuso.
ResponderEliminar1ª Questão: como é que aparece a dívida soberana portuguesa?
Respondendo à sua questão, a dívida soberana, bem como a dívida privada externa, surge de um conjunto de pressões sobre a procura agregada (sendo mais concreto, resulta por exemplo, da construção das famosas auto-estradas, do crédito ao consumo, à habitação, etc). Ou seja, quando argumento que garantir essa dívida não cria inflação baseio-me no seguinte: sendo a inflação um processo que resulta de pressões sobre a procura agregada, essas pressões já foram efectuadas no passado. O que se tem de fazer para evitar que esta garantia signifique inflação é promover os equilíbrios macroeconómicos (nomeadamente o da Balança Corrente, o que significa que basicamente os países aumentam o seu consumo, apenas ao nível do aumento dos seus recursos produtivos, o que não gera inflação).
ResponderEliminarParabéns. Longa vida ao blogue.
ResponderEliminarRicardo,
ResponderEliminarAntes de mais quero felicitá-lo pelo bloque, cujo conteúdo acho interessante e muito bem estruturado. A iniciativa é de louvar pois nem sempre os novatos têm "lata" de opinar.
Sou também um recém-licencidado (em 2010/2011),não na área da Economia mas sim da Geografia.
Como geógrafo,e atendendo à multidisciplinariedade da Geografia tenho interesse nas mais diversas ciências e em especial pela Economia que hoje está na "berra", e por maus motivos...
Bem, não sendo especialista, vou partilhar a minha opinião em relação ao assunto.
Apesar das várias posições dissidentes todos os especialistas estão de acordo numa coisa: é necessário crescimento económico (e não é só em Portugal, em quase todos os países europeus e do ocidente)! Parece óbvio.
É claro que não podemos ambicionar crescer 7, 8 ou 9% ao ano como os BRIC!
Mas como vamos crescer?
Bem... esqueçam isso do consumo interno.. já toda a gente tem televisões, carros e coputadores... e mais a mais essa forma de crescimento é na minha opinião ilusório e insustentável (créditos atrás de créditos, mastiga e deita fora).
Bem... então e por onde impulsionar a economia?
A meu ver no seu grande ponto fraco: sector energético.
Como não é expectável que seja descoberto petróleo em Portugal e na Europa também escasseia.. está na hora da UE começar a encontrar uma alternativa ao petróleo.
Ao fazê-lo estimulará a sua actividade económica através da investigação, produção e manutenção de produtos/bens relacionados com as energias renováveis. E mais... liberta-se a pouco e pouco da ditadura do patróleo que está nas mãos de muitos loucos (Chavez... Irão..)e cujos interesses/acções provocam grandes variações nos preços e nós sujeitos a isso.
Por último esta aposta lançaria definitivamente a Europa na vanguarda dessa tecnologia, tecnologia essa que dentro de décadas seria preciosa para todo o mundo e que nos deixaria de novo numa posição de vantagem: durante muitos anos comprámo-lhes petróleo, agora vendemo-lhes energia verde.
Ps: Enquanto determinados países têm taxas de crescimento anuais que invejamos... eles crescem sem olhar a meios, destruindo por vezes de forma irremediável ecossitemas locais.. enquanto os chineses se suicidam, cuidemos do nosso cantinho e um dia veremos.
Esta é a visão de um geógrafo. Peço desculpa pela imensidão de texto.
Cumprimentos a todo o painel.
Ivan
Apesar do post ser antigo, decidi comentar pois achei-o bastante importante. As questões que aqui são levantadas são de extrema relevância no actual contexto económico. Vou seguir a estruturação do texto no meu comentário.
ResponderEliminarComeçando pelo haircut da dívida, perdoem-me a expressão mas é completamente absurdo. Apesar de poder parecer apelativo, acho que só alguém completamente irracional é que pode defender tal medida. Imaginemos o caso de um indivíduo que pede constantemente dinheiro emprestado. Os custos vão subindo. Não porque lhe queiram roubar mais dinheiro mas porque simplesmente ele tem um risco maior. Por muito incultas financeiramente que as pessoas sejam, acho que qualquer pessoa compreende este ponto. Portanto, e voltando ao caso do Estado, chegados a esta situação temos de a resolver porque sabíamos bem no que nos estávamos a meter. É, acima de tudo, uma questão de honra... Quanto às Eurobonds, sou especialmente crítico pois é mais um exemplo da incapacidade europeia de fazer as coisas bem feitas. Elas fazem sentido, mas não agora. O projecto europeu perdeu-se durante décadas. Era necessário proceder a uma consolidação do poder das instituições centrais. Como é que poderemos emitir obrigações em nome de todos os países da zona Euro e depois cada um segue as suas políticas? Obviamente que isto iria levantar questões pois a imprudência de determinados países iria castigar severamente a disciplina de outros. Não quero com isto dizer que seja inviável, mas penso que noutro contexto. Não num de forçar o mercado a acreditar em nós. O ponto da participação do BCE nos mercados não merece grande discussão pois de facto ainda vai sendo das poucas instituições europeias a ter alguma credibilidade. Só uma ressalva, esta participação não vai contra a ideia de independência do BCE??
Passando para as reservas da Alemanha, penso que elas minaram a Europa. O medo da inflação fez com que em pleno pico da crise do subprime o BCE ainda não tivesse baixado os juros, quando era óbvio que a inflação acima da meta dos 2% era fruto dos preços nos produtos petrolíferos e bens alimentares que registaram um boom enorme. Uma descida da taxa de juro de referência podia ter dado um incentivo ao investimento que poderia ter minorado os efeitos da crise.
Para concluir, um pequeno comentário relativamente ao que foi dito pelo Ibán. É lógico que deveria haver uma aposta nos combustíveis alternativos e é incompreensível que isso não aconteça. Interesses à parte, acho lamentável que mais uma vez a Europa vá importar conhecimento de outros países, ficando mais uma vez para trás. Seria um investimento no longo prazo que poderia alterar de certa forma o nosso poder económico no mundo. Já ouvi comentadores referir-se ao Japão como tendo um governo fantoche. Na Europa não há grandes diferenças. Nesta questão em particular a Rússia, a Venezuela, Irão, entre outros, condicionam-nos completamente.
Só vou dar mais um exemplo da incapacidade europeia. A taxa sobre as transações financeiras. Desde 2008 ou 2009 a falar no assunto e aposto que será para meter na gaveta na maior parte dos países (isto não significa que concorde com a taxa)...