quarta-feira, 8 de maio de 2013

Os swaps das empresas públicas

Recentemente todos ouvimos falar das perdas incorridas pelas empresas públicas, em função de contratos de gestão de risco (os chamados swaps) assinados com instituições bancárias. Contudo, poucos sabem exactamente em que consistem estes contratos e como se calculam as suas perdas. Assim, a função deste artigo é elucidar os leitores sobre o modo de funcionamento destes.
 
O que são swaps de taxa de juro?
 
Os swaps de taxa de juro são um instrumento importante para gerir o risco de variações inesperadas nas taxas de juro, geralmente indexadas à euribor. Para percebermos como funcionam estes contratos vamos supor o seguinte:
 
O Metro do Porto necessita de um financiamento de 1 milhão de euros para a sua actividade operacional. Assim, financia-se junto de um banco (por exemplo, o BPI) a uma taxa de juro dada (7%), que está indexada à Euribor.
 
O que é a Euribor?
 
Globalmente, é a taxa de juro média a que os bancos emprestam fundos entre si, ou seja, é um custo dado para o banco e que influencia as taxas de juro oferecidas aos particulares e empresas. Por isso, os juros dos empréstimos estão indexados a esta taxa. Vejamos, por exemplo o caso dos empréstimos à habitação cuja taxa a pagar varia em função desta taxa. Já o mesmo também sucede para as empresas.
 
Assim, os empréstimos estarem indexados à Euribor cria desde logo uma certa incerteza...
 
Neste contexto, o Metro do Porto tem a alternativa de recorrer a um contrato de swap de taxa de juro, em que basicamente troca esta taxa de juro variável, por uma taxa de juro fixada. Para o caso que apresentei, vamos supor que o Metro contratualiza uma taxa de juro de 7%, que é fixa, ou seja, é independente de variações na Euribor.
 
Como se calcula o lucro/prejuízo destes contratos?
 
Vamos supor que a Euribor aumenta após a assinatura do contrato de swap. O que acontece é que neste caso o Metro terá um lucro, já que contratualizou uma taxa de juro de 7%. Uma vez que, com o aumento da taxa Euribor, a taxa inicial do empréstimo que indiquei de 7% irá certamente aumentar, em função de estar indexada à Euribor, isto faz com que a empresa obtenha uma poupança, já que o contrato de swap prevê uma taxa fixa de 7%. Caso a Euribor tenha tendência a diminuir, a empresa obterá um prejuízo com estes contratos, já que está a pagar uma taxa de 7% fixa, quando poderia estar a pagar uma taxa inferior caso não recorresse a estes contratos.
 
A partir deste momento e sabendo já em que consistem estes contratos, interessa perceber se haveria motivos para recorrer a estes contratos...
 
As empresas recorrem por norma a estes contratos. Contudo, a crise financeira de 2008 parece ter tido um papel no aumento do recurso a estes contratos.  Aliás em 2009, o Governo de então emitiu um despacho (nº101/09-SETF, de 30 de Janeiro) , onde se incluiam um conjunto de instruções dadas às empresas do Estado, no sentido de mitigarem a volatilidade dos mercados financeiros, entre os quais se incluiam, a necessidade de recorrer a instrumentos de gestão de risco de taxa juro (swaps).
 
De facto, verificava-se bastante volatilidade da Euribor...
 
Como já se viu, a Euribor é um elemento fundamental para definir o lucro deste tipo de operações. Assim, quanto maior for a volatilidade da mesma, maior a necessidade de recorrer a estes contratos.
 
 
Como se vê pela figura a crise financeira despoletou uma enorme volatilidade na Euribor, em função de toda a instabilidade bancária. Sendo a Euribor uma taxa de juro interbancária, as dúvidas sobre a solvência dos bancos, faz com que entre eles haja uma elevada parcimónia em emprestar entre si, preferindo muitas vezes não o fazer, o que gera aumentos de taxa Euribor. Assim, economicamente faz sentido recorrer em 2009 a swaps, já que a evolução da Euribor era totalmente inesperada.
 
Acontece que...
 
A pressão inicial sobre a Euribor dissipou-se, observando-se quebras intensas da mesma.
 
 
O facto da mesma cair consistentemente, como já se viu atrás levou a diminuições das taxas dos empréstimos assinadas. Contudo, a empresa não goza destas diminuições, já que aceitou pagar taxas fixas para se proteger do risco, o que levou às enormes perdas de mais de 2000 milhões de euros.
 
Conclusão
 
Pela análise parece haver alguma justificação económica para a assinatura destes contratos (por exemplo para 2009). Contudo, e desconhecendo os pormenores do contrato é também possível a existência de algo que justifique uma intervenção judicial, na medida em que é possível a existência de um conluio entre a banca e os dirigentes públicos, já que na exacta medida que estes contratos representam um prejuízo para as entidades públicas, também representam simetricamente um lucro para as contrapartes (genericamente, banca), já que estas recebem uma taxa de juro superior à que receberiam apenas em função das condições de mercado.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

A importância do crédito às empresas

A necessidade de financiamento às empresas é um dos temas principais abordados como fundamentais para o restabelecimento do crescimento económico. O Governo através do Ministro da Economia já admitiu a hipótese da criação de linhas de crédito, nomeadamente às PME`s. A oposição (nomeadamente o PS) por inúmeras vezes proclamou esta medida como essencial.

Primeiro questão: como o financiamento influencia a evolução do PIB?

O PIB pode ser descrito como função de diferentes variáveis, nomeadamente:

  • Consumo (público e privado), ou seja, aqui inclui-se todas as despesas de funcionamento do Estado, como por exemplo, consumos intermédios (aquisições de produtos, etc.);
  • Investimento (público e privado);
  • Exportações;
  • Importações
Para o seu cálculo agregamos as 3 variáveis (ou seja, consumo, investimento e exportações) e deduzimos as importações. Porquê esta fórmula de cálculo? Porque a partir do PIB queremos saber o valor da produção realizada em solo nacional, e obviamente, o que foi consumido no país ou incorporado como investimento, e que foi adquirido (ou seja, produzido) no exterior, ou seja, importado, não é produção nacional, razão pela qual se deve deduzir o seu valor.
O financiamento tem impacto directo em duas variáveis: o consumo e o investimento, nomeadamente, privado. Contudo para esta análise iremos centrar-nos na evolução do investimento que é a variável com maior interesse para este caso concreto.

Vejamos como têm evoluído os principais agregados macroeconómicos ao longo de 2012...







Na tabela o investimento é designado por Formação Bruta de Capital Fixo. Como se pode observar em termos homólogos verifica-se profundas quebras no mesmo, sem paralelo nas outras rubricas.

Será esta variação normal?

Ao olharmos também para a área do euro, observa-se que essa maior variação negativa do investimento face ao consumo (por exemplo) também acontece. Por exemplo, para os EUA que estão com crescimento observa-se também uma enorme diferença ao nível do investimento, mas no caso uma evolução muito mais positiva. Isto é algo que a teoria económica prevê, e que deriva do facto do investimento oscilar bastante em função das expectativas actuais, ao contrário do que sucede com o consumo, que tem aquilo que se chama de alisamento, ou seja, as pessoas têm tendência em períodos de forte crescimento a poupar relativamente mais, no sentido de em períodos de forte recessão ter maior folga orçamental.

A narrativa aqui expressa parece indicar que este decréscimo do investimento é inevitável?

Aquilo que aqui referimos é a inevitabilidade de haver uma quebra no investimento via expectativas, ou seja, a recessão provoca um maior receio, o que por sua vez gera quebras no investimento. No entanto, em nenhum momento referimos que os valores descritos na tabela são inevitáveis. De facto, pode ser possível reduzir a quebra do investimento.

A questão que se coloca é como...

Para respondermos a esta questão devemos ir à raiz da decisão de investimento, ou seja, em que circunstâncias é que alguém decide investir. Fundamentalmente, esta depende de duas variáveis essenciais: ou seja, da rentabilidade esperada do investimento, que está relacionada com as expectativas dos agentes; da taxa de juro de financiamento. Assim, um agente racional só investe se a rentabilidade do investimento for superior à taxa de juro de financiamento.

Observemos então o comportamento da taxa de juro...

















Como se vê pela figura acima, a partir de 2010 tem-se registado um aumento acentuado das taxas de juro dos empréstimos a empresas, algo bem acima do verificado na área do euro. Isto quer dizer que além do mecanismo de expectativas, também as taxas de juro têm prejudicado a evolução do investimento, pelo que através deste instrumento há margem para reduzir a quebra do investimento.

Conclusão

Assim, é fundamental que se tomem medidas de apoio ao crédito produtivo, por exemplo utilizando a Caixa Geral de Depósitos. Estas medidas devem incidir não apenas ao nível do aumento da quantidade de crédito, mas também do custo do crédito, de forma a aumentar o número de investimentos elegíveis (ou seja, aquelas que a rentabilidade é superior ao custo do capital) e assim reduzir a quebra do investimento.

domingo, 21 de abril de 2013

O endividamento das famílias portuguesas

Muito se fala em Portugal sobre o problema do excesso de endividamento da economia, e da necessidade da sua redução, algo que o programa de ajustamento macroeconómico da Troika prevê. Hoje, o que analisaremos será a dimensão deste problema ao nível da famílias portuguesas, comparando com outros países da área do euro.
Para analisar esta problemática, recorreremos a 3 rácios que nos permitirão fazer uma análise clara, nomeadamente: o Debt/Asset; Debt/Income; Debt service/Income.

1º racio: Debt/Asset

Este rácio indica-nos o peso relativo da dívida relativamente ao valor dos activos detidos. Ou seja, exemplificando, suponhamos uma família com dívidas no valor de 100 euros, e que detenha um automóvel no valor de 70 euros e uma casa no valor de 130. Esta família terá activos (ou seja, genericamente falando, riqueza de 200 euros). Assim, o seu debt/asset ratio será de 50%, já que as suas dívidas (100 euros) são exactamente metade do valor da sua riqueza. Assim, este rácio é importante já que nos indica se os activos detidos são altamente financiados por dívida, e a capacidade de pagar as dívidas através da venda dos seus activos. 

Qual a situação portuguesa no contexto da zona euro?

Como se vê, apesar de acima da média, a situação portuguesa considerando este rácio não é das mais graves, havendo países como a Alemanha que apresentam valores superiores.

2º rácio: Debt-to-income ratio

O debt-to-income ratio representa o peso do valor da dívida total das famílias relativamente aos rendimentos anuais auferidos pelas mesmas. Ou seja, uma família com uma dívida de 100 000 euros e rendimentos de 50 000 euros, apresenta um rácio de 200%. Este rácio indica a capacidade de pagamento das dívidas através dos rendimentos auferidos, sem ter de recorrer a activos, ou então de ir amortizando a dívida ( no jargão económico diz-se desalavancar). Quanto mais elevado o rácio, maiores serão as dificuldades, e o processo de desalavancagem será necessariamente extremamente doloroso do ponto de vista social.

Vejamos a situação nacional...

Quando se compara face ao rendimento, a situação nacional altera-se radicalmente, tendo um rácio muito superior à média da zona euro, e tendo rácio superior à maioria dos países (exclui-se a Holanda). 

Esta situação tem graves consequências:
  • Limita a capacidade de consumo das famílias;
  • Torna um processo de desalavancagem muito doloroso, como o que se passa actualmente, ou seja, as restrições ao crédito limitam as possibilidades de consumo. Um rácio como este, elevado, indica uma forte componente de consumo dependente de endividamento.  
3º racio: Debt service-to-income ratio

Este rácio indica o peso do serviço de dívida (ou seja, dos juros pagos) relativamente ao rendimento mensal auferido. Suponhamos uma família  com rendimentos de 2000 euros mensais, e que tenha um serviço de dívida de 200 euros mensais (ou seja, juros). O seu debt service to income ratio é de 10%. Este rácio é importante, na medida em que, um valor elevado deste rácio implica que haja uma incapacidade da família em pagar as suas obrigações mensais de dívida.

Vejamos a situação nacional...



Como se vê, o peso do serviço de dívida em Portugal é igualmente mais elevado que na média da zona euro, o que demonstra que o endividamento nacional limita as possibilidades de consumo das famílias, devido ao seu peso no rendimento. Também demonstra uma maior susceptibilidade a eventuais incumprimentos de algumas famílias.

Conclusão

Portugal apresenta claramente um problema de endividamento, que apesar de tudo, não se reflecte em incumprimentos massivos, mas sim em restrições ao nível do consumo das famílias. O facto de termos um debt to income elevado significa que uma boa parte do nosso consumo passado se deveu a um crescimento da dívida das famílias. Agora que as condições de financiamento são desvantajosas e é necessário diminuir o endividamento, tal reflecte-se necessariamente em menor consumo, situação que é mais prejudicial na economia portuguesa, devido à maior dependência em termos de financiamento das famílias face ao seu rendimento.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

O sistema financeiro cipriota

Recentemente a já tão conhecida Troika, anunciou um resgaste a Chipre em moldes inovadores. Primeiro, optou inicialmente por taxar os depósitos quer superiores a 100 000 euros ( o valor da garantia europeia bancária) quer os inferiores. Este revelou-se desde logo um enorme erro, que foi rapidamente (e bem!) corrigido taxando apenas os depósitos superiores a 100 000 euros. Ainda assim, algumas vozes de protesto levantaram-se, dizendo que isso poderia por em causa a viabilidade do sistema financeiro do Euro.

Antes de tudo convém conhecermos em traços gerais o sistema financeiro de Chipre...

Qual a dimensão do sistema financeiro?

O sistema financeiro tem uma dimensão de 835% do PIB de Chipre, tendo estado numa tendência de forte crescimento relativamente à economia até pelo menos 2009











Pela análise da figura, vemos que o sistema financeiro cipriota tem uma dimensão bastante significativa, mesmo quando comparado com outros países da zona Euro (de referir que a média da mesma é de cerca de 330% do PIB de dimensão). Veja-se também que sistemas financeiros vulneráveis como o da Irlanda e de Malta, também apresentam grandes dimensões, o que demonstra uma clara correlação entre dimensão do sistema e a sua vulnerabilidade.

Nos últimos 8 anos, como consequência deste sobredimensionamento, o peso da intermediação financeira na economia cresceu...











Assim, vê-se que o peso da mesma sobre o PIB (Gross Value Added) aumentou claramente, embora o emprego (employment) não tenha seguido essa tendência. Ainda assim, salienta-se que uma parte significativa da riqueza advém directamente do sistema financeiro, o que é indicativo de um possível boom de financiamento, que poderia (como aconteceu) acabar mal.

Há também um outro grande problema no sistema financeiro...

A elevada concentração do mesmo, que pode ser vista pelos seguintes dados:
  • 88% dos activos financeiros são detidos por duas instuições financeiros (Martin e Bank of Cyprus);
  • 98% dos activos financeiros são detidos por 3 instituições financeiras.
  • O peso do Martin e Bank of Cyprus relativamente ao PIB é quase de 250% para cada um deles, perfazendo ambos 500% do PIB (aproximadamente).

Como tem sido alimentado este crescimento do sistema financeiro?

Há sem dúvida um grande peso dos depósitos de estrangeiros neste sistema financeiro. Por exemplo, para o caso da Banca Comercial (ou seja, os Bancos) os depósitos de estrangeiros ultrapassam os dos residentes (18,6 de residentes vs 23,1 mil milhões de euros de não residentes). Aliás como se vê na figura seguinte, tem-se assistido a um aumento significativo de depósitos de não residentes, por contraposição de um aumento muito moderado dos depósitos de residentes (refira-se que estes valores incluem não só os depósitos em bancos comerciais, mas também em outras instituições financeiras).












Refira-se que os valores dos depósitos de residentes observa-se na escala da esquerda e os de não residentes na escala da direita. Isto comprova um grande aumento dos depósitos de não residentes em relação aos de residentes (apenas no espaço de 2 anos e meio).

As ligações do sistema como causa do seu colapso

A detenção de obrigações de tesouro gregas

Um activo importante detido pelas instituições financeiras cipriotas é as obrigações de tesouro gregas, que sofreram quebras significativas do seu valor. 

















Como se vê a exposição de Chipre a estes activos ultrapassa (em termos de PIB local) o da própria Grécia por larga margem, o que é sintomático, logo de problemas. A perda de valor de mercado destes activos levou a assumir perdas nos balanços de 500 milhões de euros ( o que em função do PIB cipriota é um valor importante), para além de a renegociação de dívida da Grécia ter levado também a novas perdas (cerca de 2,7 mil milhões de euros). 

Larga exposição ao sector privado grego

Por exemplo, a banca comercial, detém empréstimos a residentes em território grego no valor de 23,4 mil milhões de euros (o que é mais do que o PIB de Chipre). Com a grave crise grega, os incumprimentos subiram, o que também levou a perdas.

A degradação da economia local

A dificuldade económica do seu grande parceiro (a Grécia), levou a quebras acentuadas da actividade económica, o que por seu turno gerou dificuldades de liquidez do sector privado para pagar os seus financiamentos, o que levou a aumentos nos incumprimentos.














Como se vê pela figura os incumprimentos aumentaram significativamente, para os agentes privados.

Conclusão

O sobredimensionamento do sector financeiro provocou imensos problemas à economia de Chipre, e dada a sua elevada dimensão e concentração, os problemas para o salvar são imensos. A decisão da UE nos moldes actuais foi a solução possível, em função da impossibilidade do Governo assumir estas dívidas, que são demasiado elevadas. Mas num próximo artigo analisaremos com maior rigor esta decisão.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Será Sócrates o "coveiro" da dívida?

Após um regresso já amplamente falado e esmiuçado nos meios de comunicação social (com críticas e elogios pelo meio), o raciocínio que pretendo realizar de seguida, não se trata de discutir a pessoa, mas sim abordar factos concretos da sua governação, respondendo à questão que todos os portugueses se questionam: Terá sido Sócrates o "coveiro" da dívida? Bem sei que muitos dizem sim (uns por conveniência, outros não sabem bem porquê. Ouvem uns tipos a falar na televisão, e mediante o que dizem, pensam que o que estes exprimem são verdades inquestionáveis). O objectivo deste blog é (e sempre foi) dotar os seus leitores do máximo de informação verídica possível para que estes possam ter um ponto de vista próprio (sem contudo, deixar de dar a minha opinião).

Comecemos então este desafio...

Para respondermos claramente a esta questão central, deveremos analisar a evolução da nossa dívida por períodos (ou seja, distinguir a sua evolução pré e pós-crise 2008).

Vejamos de 2005 a 2008...









A dívida parecia estar estabilizada...

Para nos ajudar a responder a isto, devemos referir do que depende a variação da dívida:






  • Depende do valor do saldo primário num ano, que corresponde ao diferencial entre receitas e despesas, não contabilizando os juros pagos;
  • Da diferença entre os juros pagos e a taxa de crescimento nominal do PIB. A taxa de crescimento nominal do PIB corresponde ao valor do aumento real da produção ( ou seja, por exemplo, um dado país produzia 100 máquinas e passa a produzir 102, ou seja um aumento real de 2%) adicionado da evolução dos preços. Vamos supor que cada máquina custava 100 euros e no ano a seguir 102, o que corresponde a uma inflação de 2%. Assim, o produto nominal aumentará cerca de 4% (aumento real+ aumento preços =2%+2%)

Em 2007 e 2008, observa-se um défice primário, ou seja, sem despesas com juros praticamente nulo. E por exemplo, para o caso de 2007 com um crescimento económico real de 2,4% e com uma inflação de 2,4%, com uma taxa de juro sobre a dívida em média de 4%, tal faz com que o valor da dívida estivesse estabilizada, com uma trajectória a manter-se este ritmo, inclusivamente descendente, uma vez que a taxa de juro paga foi inferior à taxa de crescimento do PIB nominal. Quanto ao ano de 2008 a partir do 2º semestre começaram-se a sentir claras perturbações económicas, decorrentes do rebentar da crise do subprime.

De 2008 a 2010...

Assistimos a um crescimento da dívida pública de 71,7% para 93,5% do PIB, o que se deve claramente à adopção de políticas orçamentais expansionistas. Tal deveu-se a uma conjuntura económica bastante negativa que levou ao afundamento de grande parte das economias europeias e mundiais.

A política europeia centrou-se numa acumulação de dívida...

A ilustração acima demonstra que os aumentos de dívida foram generalizados, embora o aumento em Portugal tenha sido algo acima da média da zona euro, o que parece demonstrar que apesar de tudo a política orçamental poderia ter sido mais comedida, apesar de reconhecer alguns sucessos no combate à crise, já que a recessão foi, sem dúvida menos profunda em Portugal, que na média da Zona Euro. Ainda assim, critico o excesso de expansionismo e sem dúvida que não seria necessário ir tão longe, até porque a economia portuguesa vinha num processo de recuperação.

Seria o nosso endividamento dramático em 2010?













Como se vê, o nosso endividamento no final de 2010 encontrava-se acima da média da zona euro, sem contudo ser muito superior. Ainda assim, vem reforçar a ideia de que houve algum exagero. Por exemplo, tirando o caso de total descontrolo da Grécia, os países que tinham aumentado mais o  seu nível de endividamento durante a crise, além de Portugal (Espanha e Reino Unido) apresentam níveis de endividamento inferiores. Contudo, não se pode dizer que estávamos muito mais endividados que os outros, havendo até indicadores (como se viu em 2007) podermos reduzir o nosso nível de endividamento (havendo crescimento económico).

Então o que provocou a viragem dos mercados?

Como se vê até 2010 as taxas de juro pagas pela dívida eram baixas (bastante próximas, inclusivamente, dos níveis alemães)

















Como se vê há uma clara indiferenciação dos mercados, algo que sofre uma ligeira alteração em 2008, mas nada de relevante. O momento claramente de viragem é o início da crise grega, que como se vê é a primeira a descolar, seguindo-se só depois Portugal e Irlanda. Claramente, o anunciar da derrapagem grega provoca o pânico nos mercados, e uma fuga clara de dívida pública de países periféricos, para uma entrada de capitais na Alemanha ( ver linha da Alemanha - menor taxa de juro).

A História mostra-nos a existência de crises de financiamento com base no pânico e não só em indicadores económicos...

Paul Krugman nos seus trabalhos de economia internacional enfatiza a existência de diversos tipos de crises. Estas podem ser provocadas em pânico financeiro. O caso que aconteceu em Portugal, parece-me ser aquilo que Krugman chama de crises de 3ª geração e que consiste no seguinte:

  • Portugal apresentava algumas debilidades, contudo em nada se poderiam comparar a caso grego (ver dados anteriores);
  • Ainda assim, os investidores viram que havia um perigo real de incumprimento, o que é aumentado ainda mais pelo caso de manipulação de contas gregas, o que cria o medo de haver surpresas desagradáveis noutros países, em especial os periféricos;
  • Assim, desinvestem em dívidas públicas destes países, o que faz com que a taxa de juro exigida aumente;
  • O facto de aumentar a taxa de juro, cria mais dúvidas sobre a possibilidade dos países pagarem, o que gera ainda mais aumentos de taxa de juro (círculo vicioso).
Conclusão

Acusar Sócrates e o seu Governo de ter tido uma política demasiado expansionista em 2009 e 2010 é uma crítica perfeitamente aceitável e de qual também partilho. Contudo, responsabilizá-lo de ser o "coveiro" da dívida não é justo e é intelectualmente desonesto. O caso grego foi sem dúvida o rastilho da crise, e pode em grande parte comparar-se ao que deu origem à crise bancária. O sistema bancário funciona com base na confiança, ou seja, só colocamos dinheiro no banco se achamos que a instituição é segura. A partir do momento que vemos que um banco vai à falência, algo que não seria expectável já que as contas foram maquilhadas, rapidamente isso origina um panico  podendo haver possíveis consequências para outros bancos, mesmo estando saudáveis (falta de confiança nos dados publicados). Com os países passou-se mais ou menos a mesma coisa, ou seja, um país estava em grave dificuldades, o que foi descoberto na totalidade, após se saber que houve manipulação de contas. A partir desse momento, surgem dúvida sobre a posição de outros países, sendo o alvo países estruturalmente parecidos. Portugal foi assim vítima do pânico financeiro, e esse sim foi o principal motivo de termos chamado ajuda externa. Isto também me leva a criticar a defesa afincada de José Sócrates relativamente ao PEC IV. O PEC IV não iria salvar coisíssima nenhuma, nem nos livrar da ajuda externa. O único elemento que nos poderia salvar seria o PEC IV, em conjunto com uma intervenção pronta do BCE em mercado secundário, como o que acontece agora.

domingo, 24 de março de 2013

Uma proposta para as Eurobonds

No post anterior sublinhou-se a importância da adopção de eurobonds no quadro do funcionamento da área do euro. O exercício que se faz de seguida consiste em elaborar um enquadramento funcional que indique a forna como o sistema de eurobonds irá funcionar.

Propondo um sistema...














O sistema acima descrito é aquele que me parece mais adequado para a área do euro.

Como funciona?

Basicamente, o sistema acima representado consiste no seguinte: os países individualmente deixam de ir directamente aos mercados. O agente que lida directamente com os mercados é o EMU Fund, ou seja, um fundo da área do euro, que irá ao mercado buscar todo o financiamento necessário para todos os Estados, ou seja, este gere toda a dívida da área do Euro. Os Estados-Membros, agentes que necessitam constantemente de liquidez irão buscá-lo ao EMU Fund.

A pergunta que se deve fazer de seguida é: todos os países pagarão a mesma taxa de juro?

Sendo o EMU Fund, o único agente da área do euro que vai buscar financiamento ao mercado para todos os estados-membros, teoricamente o custo desses empréstimos deverá ser sempre o mesmo independentemente dos Estados (pois, só existirá taxas de juro de mercado para esse fundo, os países individualmente deixam de ir aos mercados). Contudo, os Estados Membros deverão financiar-se junto do EMU Fund e pagar-lhe taxas de juro diferentes em função de diversos critérios, que veremos quais poderão ser.

Porque deverão pagar ao EMU Fund taxas de juro diferentes?

Haver um mecanismo comum de mutualização da dívida ( ou seja, de partilha total da dívida da área do euro, bem como o financiamento à mesma taxa) implica que alguns países tenham incentivos negativos para aumentar fortemente o seu endividamento para níveis perigosos, o que pode impossibilitar aos seus pagamentos ao EMU Fund e criar um problema neste mecanismo. Assim, deve haver uma diferenciação entre países.

Que indicadores devem ser responsáveis por essa diferenciação?

A regra a seguir deverá ser a seguinte:




A regra acima indicado diz-nos que um determinado Estado-Membro deve pagar uma margem acima (ou abaixo) da que o EMU Fund se financia no mercado, em função do diferencial do seu défice face ao da média da Zona Euro (ou seja O(i)-O(m)), bem como da sua dívida face à da média da Zona Euro (S(i)-S(m)). Assim, por exemplo se a média do défice da Zona Euro for 3% e da dívida 60%, um país com um défice de 4% e dívida de 100% deve pagar uma taxa superior à que o fundo se financia no mercado. Essa taxa deve ser calculado em função de parâmetros definidos para o peso da dívida e do défice nesse cálculo.

De notar que...

Deve-se ter o máximo de cuidado em evitar diferenças excessivas entre a taxa de financiamento do EMU Fund e dos países-membros, sob pena de colocar em causa a sustentabilidade deste mecanismo. Provavelmente, a adopção de limites máximos a isso, deve ser uma preocupação.

Contudo, esta proposta tem um problema...

Por uma questão de sustentabilidade do Fundo, os valores do serviço de dívida(ou seja, dos juros que paga ao mercado) devem ser iguais aos valores dos juros que os Estados Membros pagam ao EMU Fund. A proposta que apresentei não garante de todo isso. Vamos supor que a Alemanha, paga uma taxa inferior à que o fundo vai ao mercado. Tal é desde logo um problema, já que sendo um país de grande dimensão faz com que seja dificil contrabalançar esse peso. 

Soluções para este problema...

Calcular os diferenciais de taxa de juro, partindo do pressuposta de que os valores dos juros que o Fundo paga ao mercado são sensivelmente iguais aos que os Estados Membros pagam ao Fundo. Contudo, tal teria o problema de se estarem a ajustar permanentemente os parâmetros de cálculo da taxa de juro, o que criaria instabilidade no serviço de dívida que não advinha directamente do desempenho dos Membros da área euro, ou seja, do comportamento do défice e da dívida.

Então, que solução deve ser adoptada?

Dada a dimensão de França e Alemanha, estes dois países serão os países referência no cálculo da taxa de juro de mercado do EMU Fund. Assim, a minha proposta consiste em:
  • A Alemanha, França pagam a taxa de juro a que o Fundo vai ao mercado;
  • Todos os países com dívida e défices inferiores aos dois países também pagam a taxa de juro a que o fundo vai ao mercado;
  • Os restantes deverão pagar uma taxa acrescida em função do diferencial dos valores do seu défice e de dívida.
Como se vê, o EMU Fund nestas circunstâncias dará sempre lucro, o que poderá ser utilizado para a promoção de políticas de investimento europeias, que visem a resolução de desequilíbrios estruturais das economias.

Mas será possível haver consenso político?

Relativamente aos países mais frágeis não há dúvida que a sua receptividade a uma medida desta natureza é alta, contudo para outros países já não é bem assim, nomeadamente para a Alemanha.

Contudo, penso que mesmo a Alemanha pode ganhar com isto...
  • Permite uma continuidade reforçada da Área do Euro, fundamental para a competitividade custo da Alemanha (se estivesse com moeda própria, certamente que a sua taxa de câmbio seria bem mais desfavorável);
  • A existência de diferenciais de taxa de juro permite disciplinar de certa forma o comportamento dos países, criando um incentivo para eventuais consolidações orçamentais;
  • O Fundo terá taxas de juro muito atrativas. Dada a dimensão que o mesmo terá, irá competir com a dívida pública americana que goza de taxas de juro enormemente baixas. De facto, os poupadores líquidos mundiais irão olhar com enorme interesse para um Fundo desta dimensão, e irão aplicar parte das suas poupanças no mesmo, o que fará diminuir a sua taxa de juro;
  • Uma vez que os países recorrem ao financiamento através do Fundo, fará com que o poder do mesmo para impôr reformas no interior do países desequilibrados será maior.

terça-feira, 19 de março de 2013

Eurobonds: a solução europeia

Antes de entrarmos em qualquer pormenor no que diz respeito ao enquadramento institucional dos Eurobonds, é fundamental enquadrar o porquê destes terem sido identificados como uma solução para a crise de financiamento dos países periféricos.

As origens da crise de financiamento...

No início de 2010, após o Governo Grego ter declarado o estado calamitoso das contas nacionais, que foi escondido durante anos, os mercados financeiros identificaram uma nova potencial ameaça (o risco de dívida soberana, ou seja, da dívida dos estados), tendo surgido pressões sobre outros países da periferia, como por exemplo, Portugal.
















Vemos que a partir de 2010, há uma crescente diferenciação das taxas de juro dos países, o que tem sérias implicações.

Os aumentos de taxa de juro são catastróficas para a economia...
  • Provocam um acréscimo dos custos de financiamento do Estado, aumentos esses que são auto-sustentados, ou seja, à medida que aumentam as taxas de juro, há maior probabilidade de incumprimento, o que gera que ainda mais aumentos da mesma. Ou seja, é um processo explosivo, que pode acabar num incumprimento;
  • Os agentes económicos têm cada vez maior dificuldade de financiamento, o que induz fortes quebras no investimento.
O enquadramento institucional da Zona Euro expõe os países a possíveis ataques especulativos

  • Claúsula de no-bailout: ou seja, em nenhum caso, o BCE poderá intervir no sentido de financiar os Estados-Membros do Euro, ou seja, não deverá ceder-lhes liquidez directamente.
  • O facto de ser uma zona monetária com mobilidade de capital: estando na área do euro, esta moeda permite que se façam diversos investimentos em vários dívidas públicas (por exemplo), sem que se necessite de trocar moeda no mercado cambial. Por exemplo, considerando o caso do Reino Unido, que tem moeda própria ( a libra) e que se financia na sua própria moeda, caso queira vender dívida pública do seu país, fica com libras, que depois poderá aplicar noutras dívidas públicas (por exemplo, por exemplo da zona euro ou dos EUA), mas para isso necessita de trocar as libras no mercado cambial. Tal movimento efectuado por um número significativo de agentes leva a quebra da libra (ou seja, torna-se mais barata), o que desde logo leva a uma perda por parte destes detentores de libras.
Observando a figura anterior, vemos que as taxas de juro sobre as obrigações alemãs têm descido, o que indica uma maior procura das mesmas, que resulta de uma fuga dos investidores de dívidas públicas de países periféricos para dívida alemã. 

Para perceber as consequências do enquadramento institucional, comparemos a evolução das taxas de juro espanholas e britânicas...













Poderemos dizer que estas diferenças se devem a questões como a dívida pública e o défice. Será verdade?














Vemos que, relativamente à dívida pública, as diferenças não são significativas. No que diz respeito ao défice público, o do Reino Unido é de 7,8% e o da Espanha 9,2%, ou seja, também diferenças pouco significativas. Tal demonstra que os riscos de uma zona monetária já enunciados atrás, ou seja, fácil fuga de dinheiro para outras dívidas e um banco central mais disponível para intervir justificam as diferenças. Aliás, viu-se que quando o BCE interviu no mercado de dívida, as taxas de juro baixaram logo significativamente, o que vem dar razão a esta argumentação.

Conclusão

Os eurobonds são uma forma de evitar que hajas fugas de liquidez dos países do sul, no que diz respeito à sua dívida pública, já que fazem com que o financiamento dos países provenha do mesmo mecanismo ( das Eurobonds). Assim, usando euros não será possível desinvestir em dívida pública portuguesa, por contrapartida de investimento em dívida alemã. Estas diferenciações deixarão de existir no mercado, e o risco será observado como sendo da zona euro como um todo. Esta aproximar-se-á do tipo de financiamento dos EUA, que têm diversos Estados, mas uma só via de financiamento, e uma instituição de suporte (a Reserva Federal), que no caso europeu será o BCE. 

PS: vai estando atento, em breve apresentarei uma proposta específica para os Eurobonds, que possa vir a ser seguido pelas autoridades europeias.