quinta-feira, 28 de março de 2013

Será Sócrates o "coveiro" da dívida?

Após um regresso já amplamente falado e esmiuçado nos meios de comunicação social (com críticas e elogios pelo meio), o raciocínio que pretendo realizar de seguida, não se trata de discutir a pessoa, mas sim abordar factos concretos da sua governação, respondendo à questão que todos os portugueses se questionam: Terá sido Sócrates o "coveiro" da dívida? Bem sei que muitos dizem sim (uns por conveniência, outros não sabem bem porquê. Ouvem uns tipos a falar na televisão, e mediante o que dizem, pensam que o que estes exprimem são verdades inquestionáveis). O objectivo deste blog é (e sempre foi) dotar os seus leitores do máximo de informação verídica possível para que estes possam ter um ponto de vista próprio (sem contudo, deixar de dar a minha opinião).

Comecemos então este desafio...

Para respondermos claramente a esta questão central, deveremos analisar a evolução da nossa dívida por períodos (ou seja, distinguir a sua evolução pré e pós-crise 2008).

Vejamos de 2005 a 2008...









A dívida parecia estar estabilizada...

Para nos ajudar a responder a isto, devemos referir do que depende a variação da dívida:






  • Depende do valor do saldo primário num ano, que corresponde ao diferencial entre receitas e despesas, não contabilizando os juros pagos;
  • Da diferença entre os juros pagos e a taxa de crescimento nominal do PIB. A taxa de crescimento nominal do PIB corresponde ao valor do aumento real da produção ( ou seja, por exemplo, um dado país produzia 100 máquinas e passa a produzir 102, ou seja um aumento real de 2%) adicionado da evolução dos preços. Vamos supor que cada máquina custava 100 euros e no ano a seguir 102, o que corresponde a uma inflação de 2%. Assim, o produto nominal aumentará cerca de 4% (aumento real+ aumento preços =2%+2%)

Em 2007 e 2008, observa-se um défice primário, ou seja, sem despesas com juros praticamente nulo. E por exemplo, para o caso de 2007 com um crescimento económico real de 2,4% e com uma inflação de 2,4%, com uma taxa de juro sobre a dívida em média de 4%, tal faz com que o valor da dívida estivesse estabilizada, com uma trajectória a manter-se este ritmo, inclusivamente descendente, uma vez que a taxa de juro paga foi inferior à taxa de crescimento do PIB nominal. Quanto ao ano de 2008 a partir do 2º semestre começaram-se a sentir claras perturbações económicas, decorrentes do rebentar da crise do subprime.

De 2008 a 2010...

Assistimos a um crescimento da dívida pública de 71,7% para 93,5% do PIB, o que se deve claramente à adopção de políticas orçamentais expansionistas. Tal deveu-se a uma conjuntura económica bastante negativa que levou ao afundamento de grande parte das economias europeias e mundiais.

A política europeia centrou-se numa acumulação de dívida...

A ilustração acima demonstra que os aumentos de dívida foram generalizados, embora o aumento em Portugal tenha sido algo acima da média da zona euro, o que parece demonstrar que apesar de tudo a política orçamental poderia ter sido mais comedida, apesar de reconhecer alguns sucessos no combate à crise, já que a recessão foi, sem dúvida menos profunda em Portugal, que na média da Zona Euro. Ainda assim, critico o excesso de expansionismo e sem dúvida que não seria necessário ir tão longe, até porque a economia portuguesa vinha num processo de recuperação.

Seria o nosso endividamento dramático em 2010?













Como se vê, o nosso endividamento no final de 2010 encontrava-se acima da média da zona euro, sem contudo ser muito superior. Ainda assim, vem reforçar a ideia de que houve algum exagero. Por exemplo, tirando o caso de total descontrolo da Grécia, os países que tinham aumentado mais o  seu nível de endividamento durante a crise, além de Portugal (Espanha e Reino Unido) apresentam níveis de endividamento inferiores. Contudo, não se pode dizer que estávamos muito mais endividados que os outros, havendo até indicadores (como se viu em 2007) podermos reduzir o nosso nível de endividamento (havendo crescimento económico).

Então o que provocou a viragem dos mercados?

Como se vê até 2010 as taxas de juro pagas pela dívida eram baixas (bastante próximas, inclusivamente, dos níveis alemães)

















Como se vê há uma clara indiferenciação dos mercados, algo que sofre uma ligeira alteração em 2008, mas nada de relevante. O momento claramente de viragem é o início da crise grega, que como se vê é a primeira a descolar, seguindo-se só depois Portugal e Irlanda. Claramente, o anunciar da derrapagem grega provoca o pânico nos mercados, e uma fuga clara de dívida pública de países periféricos, para uma entrada de capitais na Alemanha ( ver linha da Alemanha - menor taxa de juro).

A História mostra-nos a existência de crises de financiamento com base no pânico e não só em indicadores económicos...

Paul Krugman nos seus trabalhos de economia internacional enfatiza a existência de diversos tipos de crises. Estas podem ser provocadas em pânico financeiro. O caso que aconteceu em Portugal, parece-me ser aquilo que Krugman chama de crises de 3ª geração e que consiste no seguinte:

  • Portugal apresentava algumas debilidades, contudo em nada se poderiam comparar a caso grego (ver dados anteriores);
  • Ainda assim, os investidores viram que havia um perigo real de incumprimento, o que é aumentado ainda mais pelo caso de manipulação de contas gregas, o que cria o medo de haver surpresas desagradáveis noutros países, em especial os periféricos;
  • Assim, desinvestem em dívidas públicas destes países, o que faz com que a taxa de juro exigida aumente;
  • O facto de aumentar a taxa de juro, cria mais dúvidas sobre a possibilidade dos países pagarem, o que gera ainda mais aumentos de taxa de juro (círculo vicioso).
Conclusão

Acusar Sócrates e o seu Governo de ter tido uma política demasiado expansionista em 2009 e 2010 é uma crítica perfeitamente aceitável e de qual também partilho. Contudo, responsabilizá-lo de ser o "coveiro" da dívida não é justo e é intelectualmente desonesto. O caso grego foi sem dúvida o rastilho da crise, e pode em grande parte comparar-se ao que deu origem à crise bancária. O sistema bancário funciona com base na confiança, ou seja, só colocamos dinheiro no banco se achamos que a instituição é segura. A partir do momento que vemos que um banco vai à falência, algo que não seria expectável já que as contas foram maquilhadas, rapidamente isso origina um panico  podendo haver possíveis consequências para outros bancos, mesmo estando saudáveis (falta de confiança nos dados publicados). Com os países passou-se mais ou menos a mesma coisa, ou seja, um país estava em grave dificuldades, o que foi descoberto na totalidade, após se saber que houve manipulação de contas. A partir desse momento, surgem dúvida sobre a posição de outros países, sendo o alvo países estruturalmente parecidos. Portugal foi assim vítima do pânico financeiro, e esse sim foi o principal motivo de termos chamado ajuda externa. Isto também me leva a criticar a defesa afincada de José Sócrates relativamente ao PEC IV. O PEC IV não iria salvar coisíssima nenhuma, nem nos livrar da ajuda externa. O único elemento que nos poderia salvar seria o PEC IV, em conjunto com uma intervenção pronta do BCE em mercado secundário, como o que acontece agora.

4 comentários:

  1. tenho pena que nao tenhas aprofundado mais um bocado a matéria. Mesmo assim está um excelente post.

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  2. Gosto, e acho que Sócrates não foi o único coveiro, mas ajudou a cavar o buraco...

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  3. Sócrates foi e é o coveiro de Portugal, ainda critica este governo por escavar para tentar desenterrar o País.

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    1. Excelente análise Ricardo!
      É óbvio que os governos de Sócrates têm responsabilidade sobre a atual dinâmica (insustentável) da dívida portuguesa. Mas também os governos de Cavaco Silva o tiveram. E os de Guterres... E o de Durão Barroso... E o de Santana Lopes... E, até, o de Passos Coelho que, ao contrário do que diz o comentário anterior, continua a enterrar o país!

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