segunda-feira, 4 de março de 2013

O que está a prejudicar a execução do programa de ajustamento?

Para percebermos o porquê da falha do programa de ajustamento da Troika, devemos focar-nos nos objectivos que este preconizava aquando da entrada em vigor.

Quais as principais metas?

  • Reequilíbrio das contas públicas;
  • Reequilíbrio das contas externas.
Ao nível de ambas as contas o nosso país apresentava graves desequilíbrios cuja resolução se revelava absolutamente vital.


Como se vê pela figura anterior, onde se apresenta a evolução do saldo da nossa Balança Corrente, ou seja,  os saldos de algumas das principais operações com o exterior (nomeadamente em termos comerciais), observa-se a existência da acumulação de elevados défices, que fizeram explodir a nossa dívida privada.

Qual a real gravidade destes défices?

Antes do emergir da crise, diversos economistas desvalorizaram repetidamente estes desequilíbrios, considerando que a necessidade de reequilíbrio da balança corrente, era mais premente no curto prazo, em países com câmbios fixos, sem moeda única. Consideravam, também, que era uma das consequências do processo de convergência entre economias da área do euro. Ou seja, de certo modo, estes desequilíbrios poderiam ser resultado da importação de capital, que seria importante para aumentar a produtividade da nossa economia. Contudo, passados mais de 15 anos desde o início desses desequilíbrios não se assistiu a nenhum processo de convergência da nossa economia.

A crise de financiamento junto a estes desequilíbrios proporcionou a quebra da nossa economia...

Com uma economia tão endividada como a nossa, e num cenário de grande estabilidade financeira na Europa e no Mundo as nossas dificuldades de financiamento foram-se agravando, o que precipitaram a intervenção da troika.

Assim, a Troika tinha como uma meta fundamental reequilibrar esta Balança Corrente...

Para isso, a política de austeridade seria a principal arma, já que deprimindo o mercado interno, conseguiria:

  •  Reduzir as importações;
  •  Diminuir os custos unitários de trabalho, devido à maior incidência do desemprego, o que diminuiria as reclamações salariais.

Variação dos custos salariais (no privado) em %












Observa-se assim que tem havido uma crescente moderação salarial, que terá sido bem mais acentuado em 2012, e que demonstra claramente os intentos do programa. Esta evolução salarial permitiu a diminuição de poder aquisitivo ( salário real) e assim restringir a capacidade importadora da nossa economia, e supostamente dar-nos maior competitividade custo.

A austeridade preconizava o rebalanceamento entre sector transacionável (exportador) e não transacionável (ou seja, não exportador)

Entendia-se que parte dos nossos desequilíbrios se deviam a um forte excesso do sector não transacionável (comumente, designado por serviços),cujo mercado alvo era fundamentalmente o interno. A evidência suporta a hipótese de que quanto maior a força do sector não transacionável maiores os desequilíbrios externos.

















O gráfico anterior mostra que, observando o caso dos países da zona euro, quanto maior o crescimento do sector dos serviços (representado no eixo dos y), pior a evolução da Balança Corrente. Para o caso português, a evolução nem foi muito negativa, mas tal deveu-se ao facto de o boom do sector não transacionável se ter dado nos anos 90, sendo que em 1999 já se observavam graves desequilíbrios da Balança Corrente (ver figura inicial).

A solução passava pela viragem para o sector transacionável e mercados externos

Há fortes indícios de que as recessões internas, potenciam o desenvolvimento do sector exportador, já que as empresas vendo o mercado interno em recessão, vêem os mercados externos como solução para os seus problemas, e apresentam maior propensão a investir nestes, apesar da sua menor experiência nos mesmos, face ao mercado nacional. Inicialmente regista-se no campo exportador um certo sucesso do programa.

Como se verifica pela análise da figura anterior, houve uma aceleração da nossa quota de mercado desde 2011 até ao início de 2012, o que demonstra que a recessão permitiu o acentuar da nossa capacidade exportadora.

Contudo, o recente andamento da economia da Zona Euro prejudicou a evolução das nossas exportações...

O arrefecimento da economia europeia foi responsável pelo menor crescimento das nossas exportações, algo que por exemplo levou a uma recessão ligeiramente maior que o esperado, e a uma forte revisão em baixa das previsões económicas para 2013.Tal prejudica fortemente o nosso processo de ajustamento, já que:

  • Não permite a existência de variáveis, fortes o suficiente, que contrabalancem a quebra do mercado interno;
  • Prejudicam o andamento das contas públicas, já que levam a um abrandamento da lucratividade das empresas exportadoras, e abrandar a contratação de pessoal pelas mesmas.
Assim, resulta...

Além dos falados planos de reajustamento financeiro, que prevêem a renegociação de prazos de reembolso, seria necessário coordenar políticas orçamentais que possam contrabalançar os efeitos da recessão. Defendo que a lógica inicial do ajustamento está correcto, apesar da velocidade de ajustamento ter de ser necessariamente discutida. Contudo, penso que este plano, tal como demonstrei, só terá sucesso num cenário de políticas orçamentais expansionistas da parte de países com situação excedentária (ou seja, países nórdicos e Alemanha), por contraposição a políticas de austeridade no Sul da Europa.

3 comentários:

  1. Interessante texto ao nível do equilíbrio das contas externas, tem-se registado de facto uma grande melhoria neste registo ao contrário do que acontece com o equilíbrio das contas públicas. Por princípio penso que o objectivo do Estado deveria ser o reequilíbrio das contas públicas dado que o equilíbrio externo depende também dos particulares. O facto é que a prestação económica em termos de contas públicas não podia ser pior, actualmente a dívida pública assume valores superiores aos que no início do programa de ajustamento registava e o défice anda na ordem dos 5% mas com recurso a receitas extraordinárias (aquelas que todos dizem que não usarão, mas que no final acabam sempre por usar). Também sei que o saldo orçamental primário começa a convergir para o equilíbrio mas há que contar com o pagamento dos juros (a minha opinião sobre este assunto é por de mais conhecida num contrato de mútuo as duas partes tem responsabilidades e correm um risco) quem emprestou demasiado cometeu um erro e agora devia pagar por esse erro, à semelhança de quem se endividou demasiado (um haircurt de parte da dívida parece-me ser uma solução mais que sensata) até para disciplinar o risco dos intervenientes nos mercados financeiros. Paralelamente o desemprego tem subido bastante e a produção caído, é aliás a queda na produção que em muito contribuiu para a diminuição das importações.
    Posto isto eu percebo que o Governo não tem muita margem de manobra, mas o constante argumento da melhoria das contas externas por si utilizado a meu ver é abusivo resulta em grande parte da contracção da actividade económica decorrente em parte das suas políticas. Temos aqui um exemplo semelhante ao do regresso aos mercados. Tal regresso deveu-se, essencialmente, à intervenção do presidente do BCE do que ao comportamento das contas públicas portuguesas. O Governo tem a sua quota parte nesse regresso, mas sem a intervenção do BCE ela teria sido infrutífera.
    A finalizar, ministro das Finanças é um cargo técnico as sucessivas falhas sistemáticas nas previsões para diversas componentes só revelam uma coisa: incompetência (a previsão não é uma ciência exacta, mas existem intervalos de confiança)ou então jogo político (divulgar números que não são os estimados de forma a que os agentes reajam de outra forma) mesmo que as intenções subjacentes a esse comportamento sejam as melhores não cabe ao Ministro fazer esse jogo. Gostava de acreditar que fosse esta 2ª hipótese a que se tem verificado, mas infelizmente acho que é mesmo a 1ª.

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  2. Caro Ricardo, sem dúvida que as execuções orçamentais e as previsões têm sido desastrosas. Sei que num ambiente desta natureza fazer previsões macroeconómicas não é, de todo, o mais fácil dos trabalhos. Contudo, as previsões iniciais do Governo foram "ridículas" pois qualquer pessoa, sem precisar de recorrer a um modelo económico, via a insensatez das mesmas. Quanto ao texto, apenas quis frisar que sem dúvida parte do amortecimento das medidas de austeridades vem do exterior, o que cada vez acontece menos. Com isso, quero reforçar a necessidade de haver uma coordenação europeia de políticas, com os países excedentários a utilizarem a sua política orçamental para ajudar os países em dificuldade. A solução do haircut parece-me radical, e penso que antes de tomarmos soluções drásticas deveremos sempre privilegiar o fortalecimento da Zona Euro, através da diplomacia e negociação. Quer queiramos quer não, sem estarmos integrados num projecto europeu o nosso futuro é, sem súvidas bastante mais sombrio.

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  3. Quando o governo reafirma que, não quer mais tempo nem mais dinheiro para cumprir o programa de ajustamento, mas admite uma eventual correção das metas do défice.

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