domingo, 29 de julho de 2012

O papel central do BCE na crise actual

São cada vez mais numerosas as vozes que reclamam uma intervenção forte do BCE na crise actual. A mim parece-me que essa é uma solução credível e absolutamente necessária para ultrapassar os actuais constrangimentos que ultrapassa a Zona Euro. Para justificar este ponto de vista, será decisivo, em primeiro lugar, tentar perceber os motivos que têm levado as autoridades europeias a rejeitarem ( pelo menos, até agora, embora se esperem algumas novidades já na próxima quinta-feira) esta intervenção do BCE.


Principal constrangimento à intervenção do BCE: o objectivo taxa de inflação

Nos estatutos do BCE consta como principal objectivo a manutenção da estabilidade de preços, com um valor de referência para a taxa de inflação de cerca de 2%. Não vale a pena entrarmos aqui em considerações sobre a plausibilidade ou não deste valor, mas num ponto a classe económica está de acordo, uma taxa de inflação baixa é fundamental para fomentar o crescimento e a competitividade. Assim, de que modo este objectivo pode ser um constrangimento à intervenção do BCE?







Para respondermos a esta questão, deveremos usar uma equação fundamental em economia, que nos indica que a inflação surge em resultado de um excesso de crescimento do stock de moeda face ao PIB potencial. Assim, este facto deverá ser um travão a uma intervenção fortemente expansionista do BCE.

Mas será que, embora comprovada empiricamente, esta relação apresentada pela equação seja assim tão linear?

Não o é, de todo. Antes de tudo, importa frisar que o M apresentado na equação diz respeito à massa monetária e não à base monetária (variável esta que corresponde à emissão de moeda por parte do BCE). Relativamente à massa monetária, esta resulta da acção dos multiplicadores monetários, nomeadamente, o crédito. Assim, é perfeitamente possível verificarmos uma desconexão entre base e massa monetária.



A partir das figuras nota-se que essa interligação não é directa, uma vez que mesmo a base monetária aumentando, tal não teve reflexos na massa monetária, muito por culpa da quebra profunda do crédito, em especial às famílias, mas também às empresas. Isto revela o carácter de combate à falta de liquidez da intervenção do BCE durante a crise de 2008. Esta mesma intervenção não está a ter reflexos inflacionários até agora.

Como se desencadeia o processo inflacionário numa economia via política monetária?

A equação anterior fazia crer que o Banco Central ao emitir mais moeda, estaria imediatamente a fazer com que a prazo se desencadeasse uim processo inflacionário. No entanto, tal não corresponde de todo à verdade, uma vez que para que tal aconteça é necessário que se desencadeiem um conjunto de processos de transmissão da política monetária, nomeadamente, e por exemplo, o canal do crédito. A inflação é um processo que resulta de um aumento da pressão da procura agregada face à oferta agregada. Assim, a evidência para a crise de 2008 parece indicar que na presença de uma crise de liquidez, o aumento da base monetária não tem efeitos sobre a procura agregada, o que não induz pressões inflacionistas.

Replicando esta evidência para a crise das dívidas soberanas...

Parece após o exposto que as autoridades europeias não devem ter preocupações com a inflação. Assim, para justificar tal facto faço a seguinte questão:

De que resultam as dívidas acumuladas?

São resultado de um conjunto de pressões do lado da procura, que incentivaram grandemente o consumo e o investimento. Assim, estas pressões tiveram os seus efeitos no passado, que não serão replicados no futuro. Vejo o dinheiro deste endividamento como algo que deveria existir e não existe, pelo que me parece que o BCE pode ter um papel fundamental, devendo garantir aos mercados que está totalmente disposto a assumir as dívidas dos países em dificuldade (caso seja necessário) e a garantir o cumprimento do serviço da dívida. Tudo isto é compatível com o objectivo inflação, pois este dinheiro deveria existir e já teve efeitos sobre a procura agregada no passado, e consequentemente sobre a inflação.

Mas os mais cépticos deixarão logo uma questão no ar... Isto poderá no futuro ter efeitos sobre a inflação, já que os países terão uma sensação de facilitismo..

Relativamente a esta questão, concordo na totalidade com o argumento expresso, e para isso defendo que esta mudança de papel por parte do BCE ( funcionando a partir daqui, como um credor de último recurso) seja, igualmente, acompanhado por um conjunto de crítérios apertados, que tenham como objectivo fazer com que os países tenham constantemente necessidade de tomar medidas que não sobreaqueçam a economia e não a desequilibrem, voltando a termos uma rota de endividamento insustentável. Assim, questões como o controlo das contas públicas, bem como o equilibrio da Balança Corrente dos países, devem estar na agenda das autoridades. Assim, percepciono uma união com novos mecanismos, mas esses devem surgir com contrapartidas que garantam o sucesso destes. A intervenção do BCE não deve ser vista como um brinde, mas como um ponto de partida para mais rigor dos países. As sanções para quem não cumpra estas regras, deverão ser fortes, sendo em casos extremos a própria expulsão dos países permanentemente incumpridores.

Conclusão

Esta nova conjectura que apresentei, revela um ponto de vista que defende uma união cada vez mais independente dos mercados financeiros, sendo que as pressões para o cumprimento das regras deverão partir da própria união e não dos mercados. Assim, isto evita que a UEM ande a "reboque" dos mercados, tendo estratégias de equilibrio próprias.

23 comentários:

  1. Prometi no Forte Apache cá passar e cumpri ;-)e devagarinho hei de ir absorvendo tudo o que por cá vai escrevendo

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  2. Olá Ricardo,

    Obrigado por deixares o link do teu blog como comentário n'Ouriço
    http://oourico.blogs.sapo.pt/351169.html#comentarios

    Já adicionei o teu blog aos meus favoritos :)
    Entretanto, gostaria de te deixar uma sugestão e um desafio:

    1) Sugestão: Convém facultares um endereço de e-mail para que as pessoas para poderem futuramente entrar em contacto contigo.

    2) Desafio: Gostava que fizesses uma pequena análise à proposta do Linke.
    http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20630&fb_source=message
    Se aceitares o desafio, eu terei imenso gosto em publicar a tua análise no Ouriço como blogger convidado.
    Aceitas o desafio?

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    1. Ola Nelson,

      Antes de mais obrigado pela atenção.
      Relativamente à sugestão parece-me pertinente e seguirei o seu conselho. Relativamente ao desafio colocado, aceito com satisfação o desafio. É uma análise que de certo modo já fiz neste post, mas posso aprofundá-la de modo a tornar-se mais especifica para o caso que me coloca. Até ao final da semana farei essa análise.

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    2. Olá Ricardo,

      Envie-me então o texto para o meu e-mail. Eu depois publicitarei o seu trabalho assim como seu blog da melhor forma :)

      Abraço

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  3. As intervenções passadas do BCE e do Fed comprovam que a compra de títulos pelos Bancos Centrais nao é por si só inflacionária .

    É apenas uma troca de activos , títulos por reservas .
    A propensao para a poupança agregada nao é afectada em grande parte porque a economia está em recessão ou muito fraca expansão .

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  4. Olá Ricardo,

    Já o acrescentei aos meus favoritos. Amanhã faço uma critica ao seu post.

    Abraço

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  5. 1ª Questão:

    O BCE (que está proibido pelos próprios estatutos de emprestar dinheiro a quem quer que seja senão aos bancos [e outras empresas financeiras]), empresta (dinheiro que cria a partir do nada) a 1% aos bancos comerciais que depois emprestam aos Estados, Empresas e Famílias a um juro muito superior.

    Porquê?

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    1. Caro Diogo, antes de mais gostaria de agradecer a sua participação, bem como o facto de me ter colocado nos seus favoritos.
      Relativamente à questão que me colocou, em primeiro lugar o BCE, neste momento empresta a 1% aos Bancos, porque dada a actual situação económica, pretende que os Bancos aumentem a sua procura de fundos, para injectar esse dinheiro na economia. Essa taxa regula a procura dos fundos (ou seja, quanto maior a taxa, menor a procura de fundos, pelo que se por exemplo, estivermos perante sérias pressões inflacionistas, essa taxa deverá aumentar fortemente, de maneira a fazer com que posteriormente os bancos tenham menos dinheiro para emprestar). Essas instituições financeiras, por sua vez emprestam a outros agentes económicos, e como diz a taxas superiores. Tal é óbvio, na medida em que esse é o seu negócio, e para ganharem dinheiro tal deverá ser feito. Poderá dizer que isto pode ser negativo, na medida em que os agentes económicos pagam mais pelo dinheiro, quando seria possível pagar menos, mas pense no seguinte: caso não existissem estas instituições financeiras, as perdas de eficiência seriam enormes, já que uma só autoridade à escala europeia, nunca seria capaz de fazer face à procura de fundos por parte dos agentes económicos (como famílias, empresas, estado, etc.)

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  6. Ricardo, esta moderação de comentários é sumamente irritante. Porque é que não a retira e quando surgirem problemas volta a repô-la?

    Se, da próxima vez que aqui vier, for obrigado a tentar adivinhar as letras que surgem, não venho mais.

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    1. Peço desculpa pelo incómodo, e devo-lhe dizer que a partir deste momento, já não é necessário colocar as letras para confirmar o comentário.

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  7. O problema das sociedades ocidentais não se resolve com mais impressões de dinheiro.
    Pode-se, no curto prazo, empurrar com a barriga o problema, mas no médio prazo será bem pior do que lidar com os problemas de hoje.

    O problema é que o rendimento tributável não cresce a ritmo suficiente para cobrir as despesas dos Estados, o modelo do governo das sociedades ocidentais deu o estoiro, mas os políticos não querem ver a realidade, não existe dinheiro para os benefícios que estes prometeram às suas populações.

    O problema da Europa e de Portugal é o problema da intervenção estatal na Economia, o planeamento central nunca funciona, mas continuasse apostar fortemente nele, cada vez mais.
    As autoridades monetárias são as responsáveis pela crise, foram elas que criaram as condições e incentivaram os comportamentos corruptos que levaram à grande recessão e se continuarem com o que tem vindo a fazer, certamente vão levar a uma grande depressão.

    Os Bancos são os únicos agentes que podem criar moeda do nada, os ciclos económicos derivam desta capacidade, o ciclo de expansão de crédito e o seu subsequente contracção crediticia, O famoso Boom e Bust. O caminho é retirar este poder aos Bancos, como?
    Obrigar o Principio de reserva nos depósitos há vista a 100%, com esta medida resolve se o problema da separação da banca comercial e banca de investimentos, alem que resolve se o medo por parte do depositante em perder o seu dinheiro depositado. E elimina-se a necessidade do Banco central. Se o banco fizer maus investimentos abre falência, mas os depósitos estão salvaguardados, não existe corridas aos bancos, assim os Bancos tem muito mais cuidado a conceder crédito, fazendo com que investimentos não rentáveis não sejam realizados.
    O preço que deveria ser o mais livre de todos, o juro, é o mais regulado, se o mercado for o responsável por definir o seu valor a afectação de recursos será muito mais óptima.
    Situação mais democrática e justa.

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    1. Caro Filipe Silva, antes de mais gostaria de agradecer a sua participação e espero que continue a visitar e a participar neste espaço. Relativamente ao que disse, gostaria de deixar algumas notas:

      1º - Com este artigo não quero de forma alguma dizer que a intervenção e a emissão de moeda por parte do Banco Central resolve os problemas que citou (são problemas importantes sobre as quais as autoridades se devem debruçar). Agora o que temos neste momento, é uma crise europeia que resulta da irresponsabilidade dos Governos no passado ( é verdade), mas também resulta da incapacidade das autoridades europeias em tomarem decisões conjuntas. Assim, se de facto queremos que questões como o défice, a incapacidade em ajustar as despesas às receitas sejam resolvidas, parte dessa resolução também parte de medidas de curto prazo. Assim, vejo a intervenção do BCE como fundamental, no entanto e como referi atempadamente no meu post, esta não deve ser um brinde, mas como um ponto de partida para mais rigor, ou seja, os Estados devem parar o endividamento, tornando-o sustentável.

      2º Concordo que as autoridades monetárias têm responsabilidades, como por exemplo o FED que durante anos teve políticas que promoveram a existência de bolhas no mercado.

      3º Concordo consigo, quando diz que deve haver uma reforma no sistema bancário, com mais regulação e rigor. Mas isto é fundamental, porque os bancos assumem um papel central através da multiplicação da Base Monetária, situação essa que não quero de maneira nenhuma ver alterada, pois isso promove a eficiência e o crescimento, desde que devidamente regulado. AO BCE compete apenas a regulação, e a intervenção em possíveis crises de liquidez, como é o caso actual.

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    2. Obrigado pela resposta

      Quem regula os reguladores?

      Um dos vice presidentes do BCE é o Constancio, um regulador que falhou redondamente o seu papel de supervisor, permitiu o caso BPN.
      O Bernanke poucos meses antes de arrebentar o caos em 2007, afirmou que estava tudo óptimo (ver no youtube).

      A realidade demonstra que o sistema actual falha redondamente, é um sistema de boom e bust, um sistema que promove o Moral Hazard.

      O sistema arrebentou em 2007, e nada foi feito para o alterar, tudo o que foi feito foi uma tentativa desesperada de voltar ao status quo, algo que é impossível.

      O Ricardo está completamente equivocado, não temos um problema de liquidez (antes fosse isso), mas sim um problema de modelo de desenvolvimento, não só nós portugueses mas como o mundo ocidental.

      Este problema é simples, a economia privada não gera receitas suficientes para que os Estados cobrem os impostos necessários para fazer face ás suas responsabilidades.

      O caso de Portugal é fantástico, o montante da divida da sociedade (publica e privada) é de 669mil milhões de Euros, em % do PIB é de 366%(3º maior do mundo, 1º Irlanda, 2º Japão), é IMPAGÁVEL. Os juros este ano(do estado) são 8mil milhões, no próximo ano 11mil milhões.

      Devemos primeiro discutir como chegamos aqui, só depois podemos pensar como sair.

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    3. Concordo absolutamente consigo quando critica as autoridades monetárias, encarnadas na pessoa de Vitor Constâncio e Ben Bernanke. Relativamente ao segundo, friso, contudo, que a grande fatia de responsabilidade é de Alan Greespean com a sua política monetária promotora de bolhas especulativas ( um óptimo tema para um futuro post, e que fica aqui prometido desde já). Quando digo que temos um problema de liquidez, falo por exemplo das instituições financeiras, que viram os seus activos desvalorizarem abruptamente, e como se viu, apesar de tudo as operações de cedência de liquidez do BCE ajudaram a conter a situação. Contudo, considero que se cometerem (como diz) inumeros erros de política económica, principalmente no nosso país. Quando se critica a austeridade actual, muitos esquecem-se que esta se deve (também) a elevadas pressões do lado da procura (crédito excessivo), que contribuiu para graves desequilibrios externos. Se tiver oportunidade veja o endividamento em 1995 (público e privado) e agora em 2012. É deveras preocupante. Considero, no entanto, que passo a passo estamos a inverter esse rumo, observando-se sinais positivos do lado das exportações e da estrutura produtiva exportadora. A questão dos juros é pertinente, mas sinceramente, penso que o cenário de incumprimento não se deve confirmar. A UEM pode criar mecanismos que nos podem ajudar, nomeadamente o BCE (veja o proximo post), mas isso exige da nossa parte outra responsabilidade, para evitar o problema do moral hazard.
      Assim, considero que devemos encontrar uma saída, articulada com as autoridades europeias, e olhar para o passado e não voltar a cometer os mesmos erros.

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    4. Não falei do Greenspan dado me estar a cingir a actores que hoje ainda estão por dentro do "jogo".

      Por falar em Greenspan, o que este fez em 2000 com o esvaziar da bolha das dot.com foi o que Krugman disse que se devia fazer, insuflar uma bolha no imobiliário (a citação é mais ou menos o que escrevi), a realidade é que o keynesianismo tem destas coisas, de bolha em bolha até a bolha final (isto levaria a comentar o que hoje temos a vigorar como principal escola de pensamento económico, e os problemas associados a este tipo errado de pensamento)

      Podíamos dar o caso de Durão Barroso, politico falhado em Portugal que sai para a comissão Europeia.
      O que quero dizer é que não são os melhores e mais capazes que iram para os lugares chave, mas antes os que jogam melhor o jogo da politica.

      A realidade é que o nosso problema de excesso de crédito devesse à adesão ao Euro, em que o mercado assumiu que em caso de incumprimento o resto da Zona Euro iria realizar o Bailout, levando à criação de uma espécie de Eurobonds implícitas (basta analisar o comportamento das yields, para verificar que as da Alemanha subiram e as nossas desceram), as autoridades monetarias da altura não tiveram a capacidade de prever o efeito devastador que esta situação teria na nossa economia no longo prazo.
      Nada foi feito, antes pelo contrário, foi promovido pelas autoridades publicas até que se deu o estoiro (a nossa incapacidade de ter quem nos emprestasse)
      Ao afirmar que a UEM cria mecanismos para nos "ajudar", torço logo o nariz, dado que grande parte da nossa falta de crescimento devesse ao fazermos parte da UEM e da UE, mas isso é outra história e motivo de outro tipo de comentário.


      O problema é que o Ricardo, pensa que os politicos são honestos e que os agentes são racionais e não corruptos.
      Este é o principal problema da teoria económica neo clássica (que presumo seja a sua, dado ter afirmado ser licenciado da FEP), assume coisas sobre as pessoas que não correspondem há realidade da condição do ser humano.

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    5. Caro Filipe, antes de tudo agradeço novamente a sua participação e com satisfação que vejo o debate a florescer no blog. O meu conceito desde o início foi sempre promover uma interacção forte entre mim e o público do blog.
      Quanto àquilo que disse, gostaria de deixar algumas notas: concordo consigo quando diz que a nossa entrada na UEM contribuiu para a nossa falta de crescimento. No entanto, como já tive oportunidade de o demonstrar num post anterior, é discutivel termos perdido competitividade devido ao euro, no entanto, com este entrou-se num período de taxas de juros baixas e crédito fácil, o que foi usado pelas famílias e pelo Estado, para aumentarem o seu consumo improdutivo, bem como a construção de obras megalómanas. No entanto, estou convicto que tudo seria diferente se existissem critérios rígidos, com fortes penalizações no caso de incumprimento (ex: equilíbrio da Balança Corrente). Quando faço as minhas análises tento mostrar as vias que podem ser seguidas, e elucidar para diversos factos. Agora, claro que, por exemplo, no caso dos critérios é preciso vontade política. Não considero que os políticos são honestos ou corruptos, no entanto, acredito que uma vez que o seu grande objectivo é serem reeleitos, estes devem ir de alguma maneira ao encontro da vontade do eleitor. Dando um exemplo concreto: a maioria dos portugueses quer ficar no euro, e no sentido de garantir esse objectivo, o governo português tem cumprido um plano internacional. Ou seja, acredito que no futuro, caso esta vontade popular se mantenha, haverá condições, para Portugal entrar no caminho do rigor, mas tal deverá ser fruto também de um novo enquadramento da UE, que me parece que acontecerá, devido aos acontecimentos actuais. O político até pode ser desonesto, mas uma coisa sempre me disseram: para manter o "tacho" é preciso também agradar ao zé povinho.

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  8. Caro Ricardo, vou colocar um comentário um pouco grande (que irá ocupar duas ou três caixas) e que consta de uma transcrição literal do livro Política Monetária e Mercados Financeiros. Peço-lhe que o leia com toda a atenção:

    Um pequeníssimo excerto do livro "Política Monetária e Mercados Financeiros", escrito em linguagem perfeitamente acessível e que toda a gente deveria ler. Porque, para entender a forma como os Bancos nos roubam, explicação mais simples do que esta é impossível:

    Comprei há meses um excelente livro - Política Monetária e Mercados Financeiros - que me foi aconselhado por um jornalista do Diário Económico. O livro, síntese da experiência de ensino ao longo dos últimos dez anos, dos autores Emanuel Reis Leão, Sérgio Chilra Lagoa e Pedro Reis Leão, na área da economia monetária e financeira, está escrito de forma inteligível e evita os excessos de gíria que normalmente atafulham as obras dedicadas a estes temas tornando-as totalmente crípticas aos leigos.

    O livro começa praticamente pelo processo de criação de moeda e, coisa espantosa, explica-nos, de forma muito simples, a forma como os bancos comerciais perpetram diariamente um roubo de proporções inimagináveis às famílias, às empresas e aos Estados.


    A criação de massa monetária

    De seguida, passaremos a explicar a criação de depósitos resultante da concessão de crédito pelos Bancos Comerciais (ou de 2ª ordem), por exemplo o Millenium BCP, o BPI, o Santander Totta, o BES, etc., ao sector não monetário da economia - Famílias, Empresas [não financeiras] e Estado:


    Concessão de crédito por um banco cria nova moeda na economia

    Suponha-se que um Banco-A concede crédito a uma família no valor de 100.000€. Esta operação pode ser registada da seguinte forma:

    Isto é, o Banco-A credita a conta de depósitos à ordem da família no montante de 100.000€ (algum funcionário do Banco-A altera os números que estão registados informaticamente na conta à ordem da família, somando 100.000€ ao valor que lá se encontrava anteriormente). Isto significa que, como resultado desta operação de crédito, passam a existir na economia mais 100.000€ de depósitos à ordem. Uma vez que os Depósitos à Ordem fazem parte da massa monetária, a operação de crédito fez aumentar o stock de moeda existente na economia.

    A operação de concessão de crédito é realizada pela área comercial do banco. O facto de, como resultado dessa operação, terem surgido mais 100.000€ de Depósitos à Ordem no passivo do Banco-A, obriga a sua área de tesouraria a tomar medidas para que o banco continue a possuir reservas suficientes para:

    (a) Satisfazer eventuais pedidos de conversão de Depósitos à Ordem em notas e moedas físicas pela família,

    (b) Fazer face a eventuais cheques que a família venha a usar e,

    (c) Cumprir as obrigações legais em termos de reservas (as Reservas Legais de 2% da Zona Euro).

    Podemos perguntar se o montante de reservas adicionais que a área de tesouraria do banco vai ter de adquirir é próximo dos 100.000€ ou não. A resposta é não. O montante de reservas necessário para suportar o acréscimo de Depósitos à Ordem é comparativamente reduzido. Senão vejamos.

    A exigência referida em (a) diz respeito ao facto de a família poder solicitar a conversão de parte ou da totalidade dos 100.000€ em notas e moedas. Suponhamos que a família decide levantar 1000€. Ora, é natural que a família gaste estas notas e moedas no valor de 1000€ a comprar algo que o comerciante que vier a receber estas notas e moedas volte a depositá-las no banco. No caso de o banco com o qual o comerciante trabalha não ser o Banco-A mas sim o Banco-B, devemos ter em conta que existirá provavelmente uma situação simétrica de outra família que solicitou 100.000€ ao Banco-B, que levantou 1000€ e os usou para pagar a um comerciante que tem conta no Banco-A. Sendo assim, em média, a quantidade de notas e moedas que sai de cada banco é aproximadamente igual à que entra.

    Continua...

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  9. Isto não significa que o Banco-A não necessita de notas e moedas para este fim. De facto, mesmo no caso do comerciante a quem a família paga também tem de ter conta no Banco-A, existirá sempre algum tempo durante o qual as notas e moedas estarão fora do banco e, por isso, este é obrigado a possuir notas e moedas parta o efeito. Por outro lado, no caso de o comerciante ter conta no Banco-B, não há garantia de que o outro comerciante, que tem conta no Banco-A (comerciante da situação simétrica), venha a depositar notas e moedas no Banco-A exactamente no mesmo montante. Por esta razão, a área de tesouraria do Banco-A terá de obter alguma quantidade de notas e moedas. Em resumo: em qualquer dos dois casos existe necessidade de alguma quantidade de notas e moedas, embora não muito elevada. Admita-se que, por experiência, o Banco-A sabe que necessita de cerca de 0,5% do montante de Depósitos à Ordem criado em cada empréstimo para fazer face a este tipo de exigência. Sendo assim, o crédito de 100.000€ faz com que a área de tesouraria do Banco-A decida ir procurar 500€ de reservas de cobertura adicionais para responder à exigência mencionada em (a).


    A exigência referida em (b - fazer face a eventuais cheques que a família venha a usar), refere-se ao facto de a família poder escrever um cheque, por exemplo no valor de 99 000€, e entregá-lo como pagamento de algum bem ou serviço. Se o comerciante que recebe o cheque possuir conta num banco que não o Banco-A, por exemplo no Banco-C, quando este banco recebe o cheque que o comerciante lá deposita, leva-o à compensação no Banco de Portugal. Com base nesse cheque, o Banco de Portugal moverá 99 000€ da conta de depósito do Banco-A no Banco de Portugal para a conta de depósito do Banco-C no Banco de Portugal. Para estar preparado para esta eventualidade, o Banco-A tem que possuir reservas suficientes na sua corta no Banco de Portugal.

    Um raciocínio idêntico ao feito para o caso da exigência de tipo (a) mostra-nos, no entanto, que o montante de reservas necessárias para este efeito não é muito elevado. De facto, tenderá a existir uma situação simétrica, de uma família que obteve um crédito de 100.000€ junto do Banco-C, que passou um cheque no valor de 99 000€ a um comerciante que depositou o cheque no Banco-A. Ao levar este cheque à compensação junto do Banco de Portugal, o Banco-A consegue assim reaver as reservas que perdera para o Banco-C. O Banco-A deve no entanto precaver a possibilidade de desfasamentos entre o montante que recebe e o montante que tem que pagar, facto que o leva a ter reservas preparadas na sua conta junto do Banco de Portugal. Admita-se que, por experiência, o Banco-A sabe que necessita de possuir 1% do crédito concedido para fazer face a este tipo de desfasamentos. Neste caso, o crédito de 100.000€ obriga o banco a obter 1000€ adicionais de reservas de cobertura.


    Finalmente, a exigência referida em (c - cumprir as obrigações legais em termos de reservas), decorre do facto de os Depósitos à Ordem fazerem parte da base de incidência. Assim sendo, o crédito de 100.000€ implica um aumento na base de incidência e consequentemente no montante de reservas necessário para cumprir os requisitos de reservas legais. No entanto, sendo a taxa de reserva legal de 2% na Zona Euro, o montante de reservas que o banco precisa para este fim é também comparativamente reduzido: o Banco-A irá necessitar de 0,02 x 100.000€ = 2000€ de reservas para poder cumprir os requisitos legais.

    Continua...

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  10. A conclusão a tirar é que, para fazer face às exigências referidas nas alíneas (a), (b), e (c), o Banco-A necessita apenas de 3.500€ ( 500€ + 1000€ + 2000€ ) em reservas adicionais. Ou seja, para fazer face às exigências referidas em (a), (b), e (c), o Banco-A apenas necessita de um montante comparativamente reduzido de reservas adicionais (reduzido quando comparado com o valor do empréstimo, que foi de 100.000€ e que criou massa monetária também no valor de 100.000€). Se estendermos este raciocínio ao sistema monetário como um todo, chegamos à conclusão de que, para o conjunto da economia, a massa monetária é muito superior à base monetária. Esta ideia é traduzida quantitativamente pelo conceito de multiplicador monetário.

    [......]

    Stock de moeda e operações de crédito bancário

    Como vimos, a operação de crédito do Banco-A à família provocou o aparecimento de Depósitos à Ordem - e portanto de moeda que não existia antes - no montante de 100.000€. Vamos agora fazer uma afirmação mais forte: nas economias modernas, a principal fonte de criação de moeda é a concessão de crédito pelos Bancos Comerciais às famílias, às empresas e ao Estado. Repare-se que uma coisa é dizer que uma operação de crédito bancário cria moeda; outra, bem mais forte, é dizer que a maior parte da moeda que existe numa economia nasceu de operações de crédito bancário efectuadas até ao presente.

    Note-se que, para que ocorra criação de moeda, a operação de crédito tem de ser de um banco para um agente do sector não monetário; caso contrário, não ocorrerá criação de moeda. Por exemplo, quando uma empresa emite obrigações que são compradas por famílias, as famílias estão a conceder crédito à empresa, mas esta operação não cria nova moeda - implica apenas uma transferência de Depósitos à Ordem já existentes das famílias para a empresa. Outro exemplo: quando um banco concede crédito a outro banco ocorre uma mera transferência de reservas de um banco para outro e nenhuma moeda é criada no processo. Terceiro exemplo: quando uma instituição financeira não monetária (por exemplo, uma locadora) concede crédito a uma empresa, não há criação de depósitos à ordem - ocorre uma mera transferência de depósitos à ordem da locadora para a empresa.

    Repare-se também que quando a família paga um crédito que pediu anteriormente (e os juros) fá-lo por débito da sua conta de Depósitos à Ordem e, portanto, esse pagamento destrói depósitos e, assim, moeda. Consequentemente, pode dizer-se que nas economias modernas, a moeda está constantemente a ser criada e destruída: é criada quando os bancos concedem crédito ao sector não monetário e é destruída quando os agentes que pediram crédito aos bancos fazem o pagamento do empréstimo e juros correspondentes.

    Continua...

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  11. Esta parte agora é minha:

    Em suma

    Um banco concede crédito a uma família no valor de 100.000€ para a compra de uma casa, creditando a conta de depósitos à ordem dessa família no montante de 100.000€.

    Para essa operação, um funcionário do banco altera os números que estão registados informaticamente na conta à ordem da família, somando 100.000€ ao valor que lá se encontrava anteriormente.

    Esse dinheiro não existia antes em lado nenhum. O banco cria-o a partir do nada digitando essa quantia no teclado de um computador.

    Como resultado desta «operação de crédito», passam a existir na economia mais 100.000€ de depósitos à ordem. Uma vez que os depósitos à ordem fazem parte da massa monetária, a operação de crédito fez aumentar o stock de moeda existente na economia.

    Ao fim de 30 anos, a uma taxa de juro de 5%, a família pagou ao banco um total de cerca de 255.000€, dos quais 155.000€ são juros.

    Resumindo, o banco inventou 100.000€ que emprestou com juros a uma família, e esta, ao fim de 30 anos, entrega os 100.000€ inventados pelo banco mais 155.000€ em juros, estes bem reais. A família foi espoliada pelo banco em 155.000€ de juros sobre um capital que o banco inventou e lhe «emprestou».

    Esta fraude sem nome acontece quotidianamente em todos os empréstimos dos bancos comerciais às famílias, às empresas e ao Estado. Haverá roubo maior na história da civilização?

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  12. Ricardo,

    Quanto à moderação de comentários, é pior a ementa que o soneto. Primeiro, eramos obrigados a decifrar uma palavra com as letras umas em cima das outras (mas ao menos os comentários eram imediatamente publicados).

    Agora, o comentário desaparece (até ser aprovado), o que constitui uma frustração para o autor e dificulta a troca de ideias com outros comentaristas.

    Porque é que está a moderar os comentários? Porque não retira a moderação e se aparecerem comentadores inconvenientes, volta a repô-la? Tem medo de alguma coisa?

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    Respostas
    1. Caro Diogo, tenho-lhe a informar que optei neste momento por retirar a moderação de comentários. Devo-lhe dizer que optei por colocá-la numa fase inicial, uma vez que conheço diversas pessoas (entre as quais, alguns professores meus da faculdade) que já tiveram diversos problemas com os comentários. Assim, e dado esse feedback, optei inicialmente por ter esta conduta,. por uma questão de prudência, como há-de compreender. No entanto, e uma vez que até à data ainda não tive qualquer problemas com os comentários ( que diga-se de passagem, muito têm contribuido para o enriquecimento do debate), acabei mesmo agora de retirar a moderação de comentários.
      Relativamente ao excerto que colocou amanhã terei oportunidade de o ler atentamente e tirar algumas notas, que terão a devida resposta.
      Finalmente, gostaria de agradecer a sua participação activa no blog, que espero que esteja para durar (apesar deste pequeno incidente com a moderação), uma vez que é sem dúvida uma mais-valia para o blog.

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  13. Ricardo Gonçalves
    Vim cá parar através do Vivendi.
    O meu rapaz mais velho também é Economista :-)

    Ps. e que tal pôr seguidores?
    É mais fácil.

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