domingo, 29 de julho de 2012

O papel central do BCE na crise actual

São cada vez mais numerosas as vozes que reclamam uma intervenção forte do BCE na crise actual. A mim parece-me que essa é uma solução credível e absolutamente necessária para ultrapassar os actuais constrangimentos que ultrapassa a Zona Euro. Para justificar este ponto de vista, será decisivo, em primeiro lugar, tentar perceber os motivos que têm levado as autoridades europeias a rejeitarem ( pelo menos, até agora, embora se esperem algumas novidades já na próxima quinta-feira) esta intervenção do BCE.


Principal constrangimento à intervenção do BCE: o objectivo taxa de inflação

Nos estatutos do BCE consta como principal objectivo a manutenção da estabilidade de preços, com um valor de referência para a taxa de inflação de cerca de 2%. Não vale a pena entrarmos aqui em considerações sobre a plausibilidade ou não deste valor, mas num ponto a classe económica está de acordo, uma taxa de inflação baixa é fundamental para fomentar o crescimento e a competitividade. Assim, de que modo este objectivo pode ser um constrangimento à intervenção do BCE?







Para respondermos a esta questão, deveremos usar uma equação fundamental em economia, que nos indica que a inflação surge em resultado de um excesso de crescimento do stock de moeda face ao PIB potencial. Assim, este facto deverá ser um travão a uma intervenção fortemente expansionista do BCE.

Mas será que, embora comprovada empiricamente, esta relação apresentada pela equação seja assim tão linear?

Não o é, de todo. Antes de tudo, importa frisar que o M apresentado na equação diz respeito à massa monetária e não à base monetária (variável esta que corresponde à emissão de moeda por parte do BCE). Relativamente à massa monetária, esta resulta da acção dos multiplicadores monetários, nomeadamente, o crédito. Assim, é perfeitamente possível verificarmos uma desconexão entre base e massa monetária.



A partir das figuras nota-se que essa interligação não é directa, uma vez que mesmo a base monetária aumentando, tal não teve reflexos na massa monetária, muito por culpa da quebra profunda do crédito, em especial às famílias, mas também às empresas. Isto revela o carácter de combate à falta de liquidez da intervenção do BCE durante a crise de 2008. Esta mesma intervenção não está a ter reflexos inflacionários até agora.

Como se desencadeia o processo inflacionário numa economia via política monetária?

A equação anterior fazia crer que o Banco Central ao emitir mais moeda, estaria imediatamente a fazer com que a prazo se desencadeasse uim processo inflacionário. No entanto, tal não corresponde de todo à verdade, uma vez que para que tal aconteça é necessário que se desencadeiem um conjunto de processos de transmissão da política monetária, nomeadamente, e por exemplo, o canal do crédito. A inflação é um processo que resulta de um aumento da pressão da procura agregada face à oferta agregada. Assim, a evidência para a crise de 2008 parece indicar que na presença de uma crise de liquidez, o aumento da base monetária não tem efeitos sobre a procura agregada, o que não induz pressões inflacionistas.

Replicando esta evidência para a crise das dívidas soberanas...

Parece após o exposto que as autoridades europeias não devem ter preocupações com a inflação. Assim, para justificar tal facto faço a seguinte questão:

De que resultam as dívidas acumuladas?

São resultado de um conjunto de pressões do lado da procura, que incentivaram grandemente o consumo e o investimento. Assim, estas pressões tiveram os seus efeitos no passado, que não serão replicados no futuro. Vejo o dinheiro deste endividamento como algo que deveria existir e não existe, pelo que me parece que o BCE pode ter um papel fundamental, devendo garantir aos mercados que está totalmente disposto a assumir as dívidas dos países em dificuldade (caso seja necessário) e a garantir o cumprimento do serviço da dívida. Tudo isto é compatível com o objectivo inflação, pois este dinheiro deveria existir e já teve efeitos sobre a procura agregada no passado, e consequentemente sobre a inflação.

Mas os mais cépticos deixarão logo uma questão no ar... Isto poderá no futuro ter efeitos sobre a inflação, já que os países terão uma sensação de facilitismo..

Relativamente a esta questão, concordo na totalidade com o argumento expresso, e para isso defendo que esta mudança de papel por parte do BCE ( funcionando a partir daqui, como um credor de último recurso) seja, igualmente, acompanhado por um conjunto de crítérios apertados, que tenham como objectivo fazer com que os países tenham constantemente necessidade de tomar medidas que não sobreaqueçam a economia e não a desequilibrem, voltando a termos uma rota de endividamento insustentável. Assim, questões como o controlo das contas públicas, bem como o equilibrio da Balança Corrente dos países, devem estar na agenda das autoridades. Assim, percepciono uma união com novos mecanismos, mas esses devem surgir com contrapartidas que garantam o sucesso destes. A intervenção do BCE não deve ser vista como um brinde, mas como um ponto de partida para mais rigor dos países. As sanções para quem não cumpra estas regras, deverão ser fortes, sendo em casos extremos a própria expulsão dos países permanentemente incumpridores.

Conclusão

Esta nova conjectura que apresentei, revela um ponto de vista que defende uma união cada vez mais independente dos mercados financeiros, sendo que as pressões para o cumprimento das regras deverão partir da própria união e não dos mercados. Assim, isto evita que a UEM ande a "reboque" dos mercados, tendo estratégias de equilibrio próprias.

domingo, 22 de julho de 2012

Terá o Euro realmente retirado competitividade à Economia Portuguesa

São diversos os comentadores e economistas que defendem que o Euro retirou competitividade à nossa economia. Assim, defendem que a economia portuguesa não tem capacidade para estar num sistema de câmbios fixos e desse modo, a solução para readquirirmos competitividade seria o regresso ao escudo.

Em que é que se baseiam este grupo de pessoas?

 Evolução da Balança Corrente











Antes de mais, quais as variáveis que inclui a Balança Corrente?

B. Corrente = B. Bens e serviços (exportações - importações) + B. Rendimentos (pouco significativa no caso português) + B. Transferências (ex: remessas de imigrantes).

Sendo a B. Bens e serviços, a componente fundamental da mesma, esta no fundo é resultado do valor da importações e das exportações. Olhando para os dados anteriores, somos automaticamente tentados a dizer que, de facto, a economia portuguesa tem perdido competitividade. Mas estará isto correcto? Como se mede realmente a competitividade? Esta deve ser vista sempre pelo lado da variação das exportações. Uma vez que a Balança Corrente também incorpora o efeito das importações, não serve como medida adequada de competirividade.

Olhemos então para o que se tem passado do lado das exportações...
















Assim, estamos em condições de analisar, efectivamente, a evolução da competitividade dos produtos nacionais. Observamos, a partir da análise do gráfico, que a partir de 2002 e até 2005 registam-se taxas de crescimento das exportações inferiores às do período pré-euro. Quererá isto dizer, automaticamente, que o euro condicionou a nossa competitividade? Não, de todo. Temos de ter em conta que neste período entraram em cena no mercado internacional, países asiáticos como a China, cuja estrutura de exportações assenta em produtos de baixa tecnologia, ou seja, de mão-de-obra intensiva. Será que estes países afectaram a posição internacional de Portugal? Para respondermos a isto, observemos a estrutura de exportações nacionais no período pré-euro.



Assim, olhando para estes dados, verificamos que antes da adesão ao euro, a economia portuguesa tinha uma estrutura claramente assente em produtos de mão-de-obra intensiva, tal como estes países que entraram em cena nos mercados internacionais. A questão fundamental é a seguinte: seria possível num sistema de câmbios flexíveis responder a esta nova concorrência? Não me parece, uma vez que o salário mínimo chinês ( por exemplo) é muito inferior ao português (para termos uma noção, na zona mais rica da China, Xangai, existiu um aumento para 177 euros, em contraste com os 485 euros nacionais. No entanto, na maioria dos estados chineses estes valores são muito inferiores a 177 euros. Para além disso, o número de horas de trabalho na China é bem superior). Assim, para chegarmos a estes patamares seria necessário uma fortíssima desvalorização da moeda, que seria totalmente incomportável, uma vez que geraria na economia portuguesa um elevado processo inflacionário, com graves consequências. Para além disso, este processo inflacionário reverteria em parte os efeitos da desvalorização da moeda, já que a inflação corresponde a um agravamento dos preços. 

Assim, neste caso, os câmbios flexíveis não reverteriam estes efeitos. Que tipo de ajustamento deve existir?

Deverá haver um novo padrão de especialização da economia nacional, assente em produtos de maior incorporação tecnológica (não quero dizer com isto, que o caminho é a alta tecnologia). Será que a economia portuguesa tem caminhado nesse sentido?


Olhando, para a estrutura de exportações após a adesão ao euro, vemos que o peso dos produtos de baixa tecnologia diminuiu expressivamente, tendo os restantes tipos de produtos ganho peso na estrutura de exportações, com especial destaque para os de alta tecnologia. Ou seja, a economia portuguesa tem-se ajustado gradualmente. 

A questão final é a seguinte: tem tido este ajustamento resultados?

Recuperando o gráfico da variação das exportações, observamos que a partir de 2006 as exportações têm registado uma nova dinâmica, sendo este ano o de maior crescimento dos últimos 22 anos. Em 2007 manteve-se esta tendência de forte crescimento que só foi revertida em 2008 e 2009, devido à crise do subprime. Em 2010 e 2011 regressaram as fortes taxas de crescimento das exportações, ao nível das melhores que se registaram nos anos 90.

Conclusão

Assim, conclui-se que de forma alguma o euro é a causa da suposta perda de competitividade nacional. Esta foi fruto de um novo contexto internacional, ao qual Portugal nunca poderia reagir com medidas de desvalorização cambial (mesmo que estivesse num regime de câmbios flexíveis). Assim, o ajustamento deve (como tem vindo a acontecer) ser efectuado via estrutura exportadora, o que tem tido sucessos assinaláveis.

terça-feira, 17 de julho de 2012

A estratégia da "defesa" da austeridade

Na sociedade portuguesa tem-se assistido nos últimos tempos a uma onda crescente de contestação à austeridade imposta pelas autoridades nacionais e internacionais, vinda dos mais variados sectores. O Governo tem teimado em manter a linha que tem vindo a ser seguida. O que de seguida discutiremos será a plausibilidade ou não desta posição governativa.


Deverá ou não flexibilizar-se o plano de ajustamento?

Parece-me que o plano deve ser ajustado, devido aos números que sucessivamente têm vindo a publico, nomeadamente, os valores do desemprego, bem como os valores das receitas fiscais que caíram a pique, ainda que as taxas nominais dos impostos até tenham aumentado. Isto demonstra, claramente, o actual estado do nosso mercado interno, pelo que "atacá-lo" ainda mais pode ter consequências gravosas para a economia, e fazer desta 2ª década do século XXI mais uma década perdida, tal como foi a 1ª, com taxas de crescimento do PIB verdadeiramente anémicas. Em linhas gerais, estes motivos apresentados são suficientemente fortes para demonstrar que a receita da austeridade extrema deve ser repensada. (Futuramente, apresentarei um post sobre as vantagens da flexibilização e a sua importância)

Então, após o que foi referido, a posição do Governo, mal tendo percebido os efeitos da austeridade, deveria vir a público e comunicar às instâncias internacionais que desejaria reajustar o memorando?

Por mais paradoxal que seja, tendo em conta o que foi referido atrás, o Governo nunca deveria vir a público defender de forma prematura este tipo de solução, uma vez que tal poderia ser mal visto junto dos mercados. A nossa principal preocupação deve ser a nossa credibilização, no sentido do Estado Português voltar a beneficiar de financiamentos mais vantajosos, tendo isto um efeito dominó junto da economia portuguesa, uma vez que as taxas de juros pagas pela República servem de referência para o sector privado.  Para demonstrar aquilo que acabei de referir, vou apresentar dois casos (um referente a Espanha e outro referente à Grécia)


Caso Espanhol














Quando em Novembro de 2011, Mariano Rajoy assume a chefia do Governo Espanhol, assume imediatamente que não será possível cumprir as metas estabelecidas para o défice e exige publicamente um reajustamento das metas orçamentais. Os mercados reagem negativamente a este facto, o que se reflectiu num profundo agravamento das taxas de juros exigidas (ver figura anterior). Valeu ao Estado Espanhol, a intervenção do Banco Central Europeu, que fez uma compra maciça de títulos de dívida pública espanhola em mercado secundário. Ou seja, está aqui um primeiro exemplo de como os mercados reagem a este tipo de situação.


Caso Grego














Quanto ao caso grego, a situação apresentada é mais actual. É sabido que recentemente (durante o mês de Maio) a Grécia passou por um período de grande turbulência política, dada a indefinição na formação de uma solução governativa estável. Assim, o aumento das taxas de juro incorpora esta variável. No entanto, também a existência de um partido de extrema esquerda que teve perto da vitória, e que tinha como principal bandeira eleitoral o incumprimento dos acordos estabelecidos com o exterior também contribuiu para este aumento. Após passado este período, as taxas de juro sobre as obrigações gregas têm vindo a descer ( ver figura anterior), embora de uma forma algo lenta, e em níveis ainda superiores aos que se registavam antes de todo o período de turbulência política. Tal deve-se à vontade do Governo actual renegociar o acordo, algo que põe desde logo em causa a credibilidade das instâncias gregas, que já de si se encontram bastante fragilizadas. Não digo com isto, que o acordo não deve ser renegociado, mas ser o Governo o primeiro a dizê-lo logo após a sua eleição, cria de uma certa forma uma imagem de continuidade com aquilo que tem sido a "trapalhada grega".

Então, qual a posição mais sensata do Governo Português? Dizer que cumpre o plano "custe o que  custar"?

A expressão "custe o que custar" já foi referida pelo nosso Primeiro-Ministro e não me parece que tenha sido a mais correcta. Há que fazer um "trade off" entre as expectativas nacionais e as internacionais. Quer uma quer outra são fundamentais para o andamento dos principais agregados macroeconómicos (consumo, investimento, etc). Relativamente às nacionais, estas são fundamentais, na medida em que os nossos agentes económicos decidem investir mais ou consumir mais em função das suas expectativas para o futuro. Assim, se o Primeiro-Ministro vem dizer que cumpre o plano "custe o que custar" dá uma indicação fortíssima de que se poderão aproximar novas medidas de austeridade, o que deprime o consumo e o investimento (via expectativas dos agentes nacionais). Quanto às expectativas internacionais, estas reflectem-se nas taxas de juro da República Portuguesa, que afectarão os custos de financiamento dos agentes nacionais, e como é sabido, quanto piores as expectativas, maiores serão as taxas de juro da República, e consequentemente dos agentes económicos, o que irá reflectir-se em níveis de investimento e de consumo mais baixos.

Conclusão

Deve ser feito um balanço entre as condições nacionais e internacionais. Não defender acerrimamente a austeridade, mas mostrar firmeza no cumprimento das metas, mas expressões como "custe o que custar" não são bem-vindas. Devemos para fora ter um discurso de rigor, mas por outro lado, junto das instâncias europeias deveremos fazer ver que o caminho da extrema austeridade ( a austeridade será sempre um remédio necessário) pode ser mortífero. Assim, parece-me que o que vai acontecer para o caso português (e diga-se de passagem, que é melhor dos caminhos) é o reajustamento do plano, que será efectuado passando sempre para o exterior a imagem de que se trata de um bónus para os esforços que têm vindo a ser efectuados pelos portugueses. Esta, como já disse, trata-se da melhor solução por diversos motivos, tais como: tenta passar uma imagem de credibilidade das instâncias nacionais, apesar da má execução orçamental; livra o país de mais austeridade, o que poderia ter um efeito perverso nas contas públicas (perda de eficácia das medidas); livra o Governo de ter de ser ele a reconhecer um possível falhanço orçamental, e assim evita uma grande perda de credibilidade, o que seria muito mal visto pelos mercados.